Mariana sucession

Mariana tem imensas qualidades que beneficiam um líder político: é inteligente, bonita e tem uma voz de ‘femme fatale’ irresistível.

por João Cerqueira

A criação do Bloco de Esquerda representa um marco na democracia portuguesa. Quando na Europa os diferentes partidos comunistas desapareciam levados pelos ventos da Perestroika ou sob os escombros do Muro de Berlim, uma Troika composta pelos marxistas da UDP, os trotskistas do PSR e os comunistas desnorteados da Política XXI resiste à mudança e cria o BE. Tinham saudades da democracia soviética, do Pacto de Varsóvia e dos mísseis nucleares apontados às suas cabeças. A visão dos povos dos antigos países comunistas a exigir liberdade e democracia nas ruas horrorizou-os. Os habitantes da RDA a destruírem o Muro de Berlim e a saltarem para a RFA capitalista ultrajou-os. E que os próprios guardas que durante anos tinham abatido as pessoas que queriam escapar do paraíso comunista se tenham juntado à festa, isso ultrapassou todos os limites que poderiam suportar.

Era preciso reagir. Era preciso mostrar que em Portugal havia intelectuais que jamais aceitariam a democracia liberal e os valores burgueses. Tal como a brigada de filósofos e sociólogos franceses que desde o Maio de 68, com um copo de champanhe numa mão e uma tosta com salmão fumado na outra, não parou de atacar o capitalismo, eles iriam combatê-lo infiltrando-se também o mais possível nos seus luxos e prazeres. Poderiam ter montado as suas bases em Cuba ou na Venezuela, mas em Coimbra e Lisboa estava-se muito melhor.

Porém, para o BE, Cuba é mesmo o modelo ideal que Portugal deveria seguir. Com um partido único, imprensa controlada, comités de defesa da revolução em cada bairro – a PIDE cubana -, ensino gratuito, assistência médica para todos os cidadãos e direito a uma aspirina por mês, Cuba é a Terra Prometida dos bloquistas que o patriarca Fidel Castro moldou em oposição ao imperialismo americano. A Venezuela também não está mal, já se prende opositores como dever ser e se doutrina o povo na televisão, mas a tendência do ditador Maduro para o disparate e a pantominice não se coaduna com a sobriedade dos intelectuais trotskistas que dominam o BE.

E é então chegada a vez, depois de Francisco Louçã e Catarina Martins, de Mariana Mortágua se tornar a sucessora deste projeto revolucionário. Mariana tem imensas qualidades que beneficiam um líder político: é inteligente, bonita e tem uma voz de femme fatale irresistível. Nos outros partidos, ninguém, com a sua idade, se lhe aproxima. É certo que Trotsky é capaz de ter sorrido mais vezes do que ela mesmo antes de conhecer Frida Kahlo, mas este traço de personalidade não a deverá prejudicar num partido de militantes sisudos e zangados com alguma coisa. Tal como no Nome da Rosa o monge Jorge de Burgos associa o riso ao pecado, no BE o riso é considerado uma degenerescência burguesa. Um revolucionário que se preze tem de andar sempre furioso. Como é que alguém pode rir quando os proletários, em vez de tomarem as novas Bastilhas, se rendem aos centros comerciais? Como se pode andar bem-disposto quando se disparam selfies em vez de Kalashnikovs? Nem a dialética marxista explica isto.

Seja como for, no recente congresso do partido Mariana enfrentou opositores extremistas, amigos de Putin ou de qualquer genocida antiamericano, o que faz dela, dentro do BE, uma surpreendente direitista – talvez mais moderada do que Pedro Nuno Santos e seus amigos. E é assim, envolta numa aura de moderação a roçar a heresia revolucionária, que Mariana vai defrontar aquele que já definiu como seu principal inimigo: o PS de António Costa. E quem sabe se no debate decisivo entre ambos não irá surpreender toda a gente recorrendo à tal arma que não se julgava dispor. Quando Costa começar a elencar o seu legado glorioso de proezas sociais e económicas, a viragem da página da austeridade e o combate à corrupção, quando Costa estiver realmente a acreditar no que está a dizer, nesse exato momento talvez Mariana desate à gargalhada.