Exemplos de insensatez…

 Assistimos à deterioração notória dos serviços públicos em áreas tão sensíveis como a saúde, a educação e a justiça que estão em cacos e o líder do maior partido de oposição fala em possibilidade de derrota numas eleições, mesmo que daqui por um ano?

Por Manuel Boto, Economista

1. Como se costuma dizer, ‘uma no cravo, outra na ferradura’! Sinceramente não me ocorre outra expressão ao ouvir Montenegro referir numa entrevista que uma derrota nas eleições europeias por 2 ou 3 pontos não é um mau resultado, enquanto prometia uma investigação interna sobre as autárquicas de 2017. 

Admitir um cenário de derrota nas europeias é, provavelmente, o maior ‘tiro no pé’ que nos últimos tempos ouvi a qualquer líder partidário. Assistimos à deterioração notória dos serviços públicos em áreas tão sensíveis como a saúde, a educação e a justiça que estão em cacos e o líder do maior partido de oposição fala em possibilidade de derrota numas eleições, mesmo que daqui por um ano? Passou-se ou apenas veio confirmar ser um erro de casting na liderança do PSD? É que nem mesmo a boa notícia da investigação interna sobre as autárquicas de 2017 o salva.
O impressionante é que tinha passado apenas um dia sobre a notícia de Sánchez convocar eleições antecipadas em Espanha para 23 de julho, depois dos resultados desastrosos das autárquicas, em que se assistiu à vitória da direita espanhola (PP) e aqui, mesmo ao lado, Montenegro não aprende nada, admitindo derrotas? Cavaco Silva bem o elogiou há dias, mas, com tiradas destas do seu líder, o PSD continua a ‘passar ao lado’ de ser visto como real alternativa.

2. Curiosamente, durante esta semana, quiçá pela derrota do PSOE nas eleições autárquicas, lemos no CM que o Governo vai ‘abrir as mãos à bolsa’ em janeiro de 2024, ano das eleições europeias, e presentear a função pública com algo que esta desde há muito reivindica, tendo o Governo feito, até agora, ‘ouvidos de mercador’: acelerar progressões na carreira, estimando-se em 300 mil os beneficiários (com aumentos mensais entre 50 e 200 euros!).

O mote está dado e não será surpresa que o momento seja aproveitado por todos os sindicatos que há muito andam às avessas com este Governo, e são tantos, para ‘acelerarem a fundo’ nas reivindicações, aproveitando o pânico que definitivamente por ali se instalou. O receio de perder as eleições europeias é tão grande que, aposto, o Governo tudo irá dar para se aguentar. A economia vai dando sinais largamente positivos, graças à iniciativa e resiliência dos empresários privados e à ‘malfadada’ inflação, as receitas fiscais sobem a pique e as folgas aí estão para o PS distribuir como benesses para serem medalhas de campanha eleitoral.

Dir-me-ão que todos fariam o mesmo em vésperas de eleições! Se calhar até será verdade, mas infelizmente a minha memória recorda mais facilmente as distribuições de Sócrates e Costa, porque do PSD, recordo-me, sobretudo, que teve de aplicar as políticas de austeridade que a Troika impôs e que o PS assinou em 2011, qual presente envenenado que o PSD recebeu ao ganhar as eleições logo a seguir. 

Estou com imensa curiosidade para ver o OE 2024 a ver se consubstancia o que temo, ou seja, se o PS irá criar uma significativa despesa estrutural que atualmente o crescimento da economia aparenta aguentar, mas que, no futuro, poderá constituir um gravíssimo problema, particularmente se houver uma estagflação ou até qualquer recessão, nacional ou internacional. 

3. Notícia no Público vem referir que os ordenados dos presidentes das CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional) se irão equiparar ao do primeiro-ministro, acrescentando que o Presidente Marcelo deixou um reparo sobre os montantes a pagar, compreensíveis numa ótica de atração de quadros, mas incompreensíveis pelos evidentes desequilíbrios de vencimentos na função pública.

Pressurosamente, o Ministério da Coesão Territorial veio esclarecer que estes vencimentos se equiparam a gestores de institutos públicos, o que sinceramente, em vez de acalmar só veio agravar a legítima indignação causada pela diferença entre quem anonimamente trabalha para o Estado e os que são nomeados pelos partidos políticos para estes lugares de privilégio. 

Sejamos claros: o problema não é o que se vai pagar a estes Presidentes das CCDR, mas o que (não) se paga a tantos quadros qualificados da função pública. Passemos por cima da discussão da necessidade destas CCDR ou dos tais Institutos Públicos que por aí proliferam (porventura em número excessivo, a carecer de uma análise das respetivas eficácias). Vamos ao tema crucial que explica bem a revolta de tantos na função pública: há demasiados lugares de designação partidária com excelentes ordenados (quem não se recorda das famosas listas de assessores governamentais, muitos deles jovens inexperientes a usufruir do primeiro emprego?)! Em contrapartida, há demasiada gente francamente mal paga na função pública, a começar no Presidente da República, a continuar no primeiro-ministro, em todo o Governo e por aí fora, sobretudo nos quadros de elevada competência em funções de responsabilidade acrescida (particularmente médicos, enfermeiros, professores, etc.).

Quando os vencimentos não são atrativos, há dois claríssimos problemas: atratividade e retenção dos talentos. Assim (i) não surpreende que o campo de recrutamento diminua drasticamente, qualquer que seja a função desempenhada; e (ii) sobre a retenção dos profissionais competentes, qual a admiração de que muitos desses quadros que acima refiro, claramente com o mercado a pagar melhor, aqui ou no estrangeiro, só aguardem a oportunidade para ter uma vida melhor? 

Concluindo, o tema é estrutural e não vemos jeito deste tema se modificar nos próximos anos, com funestas e óbvias consequências, particularmente a deterioração generalizada da qualidade dos serviços públicos que diariamente se nota e tal a recorrência que quase deixa de ser notícia. Falta coragem política aos atuais governantes, que vivem bem com este status quo que lhes tem garantido o poder, para encetar verdadeiras reformas que, a prazo, certamente contribuiriam para melhorar Portugal, mas poderiam questionar vitórias eleitorais. Assim, admiram-se que a perceção generalizada sobre os vencimentos dos políticos é exatamente a oposta ao que acima refiro, ou seja, ganham bem demais para o que fazem?

P.S. – Declaro sob compromisso de honra que não fui eu que chamei o SIS! Sejam homenzinhos e assumam, PORRA!