The Voice Kids – para lá do concurso televisivo

Estes excelentes profissionais têm executado exemplarmente a missão que lhes foi confiada. Por isso, aqui venho felicitá-los e manifestar-lhes a minha admiração.

Por Luís Paulino Pereira, Médico

Não sou um espetador muito assíduo dos programas televisivos. Procuro ver sempre que posso os telejornais, as entrevistas, os debates e pouco mais. Tenho pena de que já não sejam exibidas peças de teatro, como noutros tempos, mas essa tradição perdeu-se como tantas outras, pois, hoje em dia, tudo é estruturado em função das audiências.

Há algum tempo, por acaso, comecei a dar atenção a um programa ao domingo à noite na RTP-1, The Voice Kids, que tem por objetivo selecionar crianças ou pré-adolescentes com aptidão para o canto, num concurso de provas públicas, escolhendo-se os melhores e formando-se depois equipas, com o respetivo mentor, que competem entre si até se apurar o vencedor.

Com apresentação da experiente Catarina Furtado, que faz primorosamente (como já nos habituou) o acompanhamento da família dos concorrentes, este concurso tem um júri fixo, composto por profissionais da música, que assumem a difícil e sempre ingrata missão de escolher uns e excluir outros.

Mas por que motivo este programa captou a minha atenção e estou hoje a falar dele? Acima de tudo, pela forma carinhosa, inteligente e extremamente pedagógica como todos os intervenientes falam com as crianças, após cada uma prestar provas.

Não conheço pessoalmente nenhum dos elementos do júri, pelo que posso emitir a minha opinião livre de qualquer conflito de interesses.

Participar num concurso televisivo não é tarefa fácil para nenhum adulto, quanto mais para uma criança – em que o grau de dificuldade aumenta a todos os níveis. E quando é preciso explicar a um concorrente por que razão é escolhido ou rejeitado, tem de se usar da máxima prudência e de um rigoroso bom senso; mas, falando para crianças, todo o cuidado é pouco, sob pena de poder provocar danos irreparáveis nesses jovens seres humanos.

Ora, a avaliar pelo que tenho visto, posso afirmar que todos estes excelentes profissionais têm executado exemplarmente a missão que lhes foi confiada. Por isso, aqui venho felicitá-los e manifestar-lhes a minha admiração.

Como médico, posso comprovar a importância de saber falar. Por mais insensível que uma pessoa seja, enfrentar um médico de bata branca numa consulta não deixa ninguém indiferente. O doente repara em tudo, nas nossas palavras, nos nossos gestos, nos exemplos que damos, no nosso semblante, e nunca mais esquece aquilo que lhe foi dito. Mas quando se trata de crianças, a nossa responsabilidade é maior: são precisas técnicas para as cativar e a linguagem não pode ser a mesma que utilizamos com os adultos. O desafio, porém, é deveras aliciante. É assim que entendo a medicina como ciência da vida, e com base nisso vejo com outros olhos este programa e a mensagem que fica no ar, muito para lá do concurso televisivo.

Saber ouvir e saber falar, seja em que área for, é uma grande virtude, que não está ao alcance de qualquer um. Nos tempos que correm – e em especial no meu meio –, sucede, infelizmente, o contrário. A tendência é para falar cada vez menos, recorrendo-se à informática em todas as situações.

Para mim, o que se ganha com as novas tecnologias não é compensado com o que se perde em humanidade. Dizia-me um doente, com alguma graça, que não faltará muito para termos «médicos virtuais». E não deve andar longe da realidade. Por exemplo, em certos exames complementares deixou de haver relatório em papel passando toda a informação clínica para CD ou até para as aplicações informáticas exclusivas das instituições onde esses exames são feitos – o que, convenhamos, ainda confunde muito os doentes.

Um pouco por tudo isto, eu, que em grande parte não me revejo nesta ‘nova medicina’, continuo a dar valor ao contacto humano, pois só assim se consegue ajudar melhor aqueles que precisam de nós.

Neste contexto, gosto de ver o The Voice Kids pelo formato pedagógico de que o programa se reveste. Aqui ficam os meus parabéns à produção e a todos os que ali trabalham, com um cumprimento especial à Áurea, à Barbara Tinoco, ao Carlão e ao Fernando Daniel. Bem hajam, amigos, pelo vosso trabalho a favor das crianças. Continuem, pois estão no bom caminho!