Até não restar pedra sobre pedra

O regime democrático merecia outra assunção de responsabilidades por parte dos agentes políticos.

por Francisco Gonçalves

Há alguns dias, procurando salvar-me da berraria de um programa de comentário futebolístico de um canal noticioso, mudei para outro canal de notícias, sem imaginar que ia encontrar outra berraria, neste caso, sobre a audição de Pedro Nuno Santos na Assembleia da República.

Depois dos telejornais terem passado de 30 minutos de notícias para 90 minutos de espetáculo televisivo, por que não os próprios canais de notícias passarem para quase 24 horas espetaculares? É isso que está a acontecer.

Dificilmente conseguimos, na televisão portuguesa, ver uma notícia que não seja a falar mal de alguém, a levantar suspeições ou a tratar de um qualquer caso, quase todos terminando em pequenos ou grandes nadas.

Mesmo as notícias que deviam fazer a nossa felicidade são transmitidas de modo retorcido, formando negativamente opinião. O turismo, setor ao qual tanto devemos na última década e meia, é apresentado como tendo criado um problema na vida das cidades portuguesas. Mas ainda se lembram como estavam os cascos históricos dessas cidades antes do turismo? Onde está a responsabilidade da comunicação social e o seu dever de pedagogia na nossa sociedade?

Foi inaugurado o novo quartel dos Bombeiros Voluntários de Oeiras, uma obra de grande importância, que fecha um ciclo de melhoria em todos os quartéis de bombeiros do Concelho (5 novos e 2 requalificados). Ninguém viu esta notícia nas televisões, apesar de terem estado equipas de reportagem, no local.

Portugal não é caso único e a responsabilidade não é apenas dos jornalistas, é principalmente das lideranças políticas, pelo seu comportamento e pelo critério de seleção utilizado, na escolha de algumas personagens para o exercício de cargos públicos.

Há algumas semanas, nesta coluna, escrevi que o primeiro-ministro tinha tido uma vitória (ainda que pírrica) quando manteve João Galamba no Governo. Acrescentei, no mesmo artigo, que era o país que saía prejudicado. Portugal não sai imediatamente a perder com a continuidade do ministro, mas a prazo sai.

Acredito que o primeiro-ministro, como a maioria dos portugueses, sabe que a situação é uma vergonha: nem aquele é o comportamento apropriado para um ministro, nem aquele é o ambiente de um gabinete ministerial. Ali decide-se o país.

Todavia, nem o primeiro-ministro está só, nem é de hoje que o país está a destruir as suas instituições. Aos poucos, estas vão perdendo autoridade e os cidadãos não sabem em quem confiar. O limite é não se saber se o regime está podre, se esgotado, mas que as coisas não estão bem, não estão.

Portugal, na última década e meia, passou por uma crise financeira (e económica e social) gravíssima, e parece caminhar, a passos largos, para uma crise de regime profundíssima, com consequências muito sérias para o país.

Os grandes partidos do regime vertem lágrimas de crocodilo a respeito da ascensão dos populismos, mas não hesitam em utilizar os partidos populistas, para seu benefício eleitoral de curto prazo.

A instabilidade portuguesa do século XIX conduziu-nos para a ‘ditadura salvadora’ do Estado Novo. O regime democrático que vivemos merecia outra assunção responsabilidade por parte dos agentes políticos.

Porém, talvez não nos devamos preocupar demasiado: quando não restar pedra sobre pedra no regime, haverá certamente quem nos queira salvar da nossa liberdade.