LGBT vão às escolas: Do ‘pré-conceito’ à educação

O Projecto Educação LGBT, da rede ex aequo, desloca-se às escolas de todo o país para falar sobre temáticas que, na sua maioria, não são abordadas em contexto escolar como orientação sexual, identidade e expressão de género. O SOL foi assistir a uma sessão informativa, que teve lugar na Escola Secundária de Palmela, que envolveu…

o ambiente é de expectativa. os alunos da secundária de palmela não sabem muito bem o que vai acontecer. sabem que vão assistir a umas pessoas a falarem sobre a homossexualidade e pouco mais. a sessão ainda demora algum tempo a começar. espera-se pela chegada de outras turmas e, de seguida, todos passam de um auditório ao ar livre para uma sala de aula.

finalmente dá-se início à sessão. “então que nomes é que vocês conhecem para gays?”, pergunta josé santos, um dos oradores, depois da formal apresentação e explicação da sessão e do projecto que integra. entretanto, no quadro, já estavam quatro colunas, cada uma com um nome: gay, lésbica, bissexual e transgénero, desenhadas por manuel mateus, outro orador.

incrédulos, os alunos começam a trocar sorrisos envergonhados. “vá lá, não me digam que não conhecem nenhuns!”, argumenta manuel. ao fim de algum tempo, os primeiros começam a arranjar coragem e respondem. “paneleiro!”, diz uma aluna, entre uma troca de risos com a colega do lado. “maricas!”, responde outro.

“e mais?”, continua manuel, “agora para lésbicas”. “machona!”, responde outra rapariga. “camionista!”, diz o colega ao lado. josé vai escrevendo as várias respostas no quadro. “então e transgénero, sabem o que é?”, questiona manuel. silêncio. alguns dizem que não com a cabeça, outros encolhem os ombros. quase ninguém tinha ouvido falar neste conceito que abrange os indivíduos que transgridem os papéis de género que a sociedade lhes atribui como, por exemplo, os travestis, os transexuais, os intersexuais, etc.

“este projecto serve exactamente para isto. para colmatar o facto da orientação sexual, a identidade de género e a expressão de género não serem discutidas nas escolas”, explica josé santos.

trata-se do projecto educação lgbt (lésbicas, gays, bissexuais e transgenéros), da rede ex aequo – associação portuguesa de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes – que surgiu em 2005, com apoios financeiros da fundação europeia da juventude do conselho da europa (entre janeiro a setembro de 2005). este projecto organiza sessões informativas com o objectivo de “dar apoio aos jovens lgbt, além de intervir na sociedade, junto das entidades políticas e de ‘educar’ a sociedade para as questões da homossexualidade, bissexualidade e transgenerismo”, explica josé, um dos coordenadores do projecto educação.

em média, realizam-se cerca de 50 a 60 sessões por ano, em todo o país, mas este número tem vindo a diminuir desde 2011, com o fim das disciplinas de formação cívica e área de projecto: “sem estes espaços de aula, os professores não têm tempo para nos chamar às escolas”, nota josé. no ano passado, a rede ex aequo fez apenas 34 sessões e este ano iriam pelo mesmo caminho se não se tivessem deslocado até aos açores, onde fizeram 29 sessões. estas iniciativas são dirigidas não só a alunos e professores do secundário – em especial entre o 7.º e o 12.º ano – mas também a formadores de professores, professores estagiários e alunos do ensino superior: “pretendemos abordar o bullying homofóbico e tentar desconstruir o preconceito no sítio onde este se dá, que é sobretudo nas escolas”, refere manuel.

desconstruir (pré)conceitos

a abordagem destas temáticas é feita através de técnicas de educação não formal, isto é, são intervenções que envolvem os alunos em várias dinâmicas e exercícios de grupo.

um desses exercícios obriga os alunos a levantarem-se para formarem uma fila e à medida que os oradores vão fazendo diversas afirmações, vão dando um passo para a direita se concordam, para a esquerda se não concordam ou mantêm-se no lugar caso não tenham opinião.

estas intervenções acabam por gerar debate não só com os oradores mas também entre os próprios alunos. foi o caso de uma das afirmações: ‘num casal homossexual, há sempre um que faz de homem e outro que faz de mulher’. apesar de a maioria ter concordado, gerou uma onda de comentários: “há sempre um que é mais gay e o outro que é mais normal”, comentou uma aluna. “isso depende do gosto de cada um”, disse outro estudante. a explicação dada por josé foi mais metafórica: “normalmente comemos de garfo e faca certo? então e quando comemos de pauzinhos? também há um que faz de garfo e outro de faca?”.

toda a sessão foi acompanhada por algum barulho de fundo e risadas por parte dos alunos. alguns estudantes mais tímidos acabavam por responder às perguntas entre eles em vez de exporem a sua opinião perante os colegas. houve até um comentário mais depreciativo (“podias matá-lo!”) quando os oradores foram questionados, por uma aluna sobre o que fazer no caso de um amigo que era maltratado pelos pais por ser homossexual. “uma coisa é alguém querer participar e ter uma opinião homofóbica e nós tentamos desconstruir mas se é conversa lateral, tento não dar muita importância”, refere manuel. a verdade é que o confronto com opiniões homofóbicas e ofensivas não é muito comum neste género de iniciativas: “só houve duas situações em que tive pessoas que tinham uma opinião claramente contra e, ao longo de toda a sessão, expressaram isso mas não de uma maneira agressiva. não aceitavam a homossexualidade porque a religião deles não permitia”, conta josé.

mas, para estes oradores, os principais influenciadores de opinião para grande parte dos adolescentes são os pais e a maneira como lidam com este tipo de assuntos: “a opinião dos pais é muito importante: o ambiente em casa, a mensagem que se transmite, o comentário que o pai faz quando há uma notícia na televisão sobre o casamento homossexual. essa cultura, que é muito subtil mas que passa, influencia muito”, acrescenta manuel.

‘abrir as cabecinhas’

a sessão decorreu sob o olhar atento de duas professoras, que cederam algumas horas das suas disciplinas para que os seus alunos pudessem assistir à sessão. célia cercas, professora de biologia, considerou que esta intervenção serviu para “abrir um bocadinho as cabecinhas” dos alunos, uma vez que, “além daqueles miúdos que têm dúvidas, há aqueles que têm muitas certezas e são certezas muito agarradas ao preconceito”.

a maneira como foi abordado o tema também agradou às docentes, que consideraram a sessão “leve, como se quer numa primeira abordagem”, referiu maria irene pereira, professora de oficina de artes, “há que ir com cuidado e isso foi uma coisa que me agradou. foram claros e não houve subterfúgios”.

olhando para a realidade escolar, muitos destes temas ligados à homossexualidade e à identidade de género não são abordados nas aulas, o que dificulta a vida de muitos alunos que são discriminados: “a descriminação surge sobretudo do desconhecimento e da ignorância que as pessoas têm sobre estes assuntos”, refere josé santos. “é um assunto sobre o qual muita gente se incomoda ainda em falar, professores também, mas principalmente colegas”, conta joana pereira, de 18 anos, aluna da secundária de palmela, enquanto preenche um questionário, entregue pelos oradores, de avaliação da sessão.

estas sessões debruçam-se sobre temas que muitos alunos de outra maneira nunca abordariam porque não falam destes assuntos em casa nem com os amigos: “os miúdos, no fundo, o que ‘querem levar para casa’ é saber explicar a normalidade das coisas para a sua aceitação. portanto, cabe à escola enquanto instituição educadora, abordar estas temáticas”, refere maria irene.

por vezes, os alunos chegam mesmo a aprender conceitos novos: “eu não sabia o que era transgénero”, afirma inês moço, de 21 anos, outra das alunas desta secundária presente na sessão. “ainda há muita discriminação e quanto mais se falar sobre isto, mais as pessoas perdem alguns estereótipos e preconceitos”. o preconceito face a estas minorias é algo que muitos jovens nem se preocupam em disfarçar: “vê-se através do comportamento, quando estão na presença de uma pessoa gay ou lésbica. às vezes, ignoram-na ou afastam-se quando a pessoa se chega ao pé deles. tratam-nos como se tivessem lepra”, conta.

joana e inês garantem que não olham para a homossexualidade dessa maneira, em particular no que toca à adopção de crianças por casais homossexuais. “eu tinha um pai e uma mãe e fui maltratada por eles e estive em instituições. portanto, para mim, o que interessa é o amor e a educação que se dá à criança”, reflecte inês. joana, por sua vez, realça a “falta de moral” dos que são contra a adopção: “as pessoas têm de se lembrar que foi um casal heterossexual que abandonou a criança e não um casal homossexual”, afirma joana.

com esta sessão, as professoras esperam, acima de tudo, que os seus alunos “ganhem mais saber, um melhor entendimento, que fiquem mais esclarecidos” – refere maria irene – mas também que comecem a encarar de outra maneira aquilo que é considerado ‘normal’ de modo a que esta nova geração perceba “que há uma variedade e as pessoas têm de estar abertas a essa variedade”, acrescenta célia.

rita.porto@sol.pt