Sabão para lavar e durar

Um jovem casal resolveu voltar à terra da família, em Viseu, e pôr de pé um projecto que já vinha a magicar há 10 anos: recuperar a tradição do sabão artesanal, recorrendo a produtos e produtores locais. Além da fábrica, fizeram uma galeria onde os artistas que desenham as embalagens expõem ao lado das matérias-primas…

rosmaninho e alecrim ou mel e cera de abelha? não é fácil decidir e, além destes dois tipos de sabões, há ainda outras 13 variedades. isto só para começar, já que a produção ainda nem completou um ano.

tudo começou por volta de 2003. vítor estava no curso de design industrial e filipa no de farmácia. ele dedicava-se a um projecto sobre higiene corporal, ela a outro sobre óleos essenciais. foi amor à primeira vista. casaram e desde então começaram a desenvolver a ideia a dois. mas só este ano se mudaram para viseu e devolveram o projecto de produzir sabão artesanal à comunidade. «trabalhamos com os produtores da região e com as suas matérias primas: o azeite de oliveiras galegas, que são as oliveiras típicas portuguesas (só usamos azeite prensado a frio), e o mel de rosmaninho, de flor de castanheiro, de eucalipto… tudo daqui porque estamos numa zona em que é fácil nos movimentarmos e arranjar matérias-primas boas e próximas. além de que ajudamos os produtores a conseguir os certificados necessários. muitos não estão ainda adaptados à realidade e nós queremos também investir neles», defende vítor.

mas desde o tempo da faculdade até à vida de empresários de hoje, o casal teve de enfrentar algumas alterações nas suas rotinas. vítor ficou desempregado e com o fim do salário estável não esperou 15 dias até se mudar com filipa para viseu, terra dos seus pais. o passo seguinte foi localizarem a fábrica mesmo no centro da cidade, junto à sé. «apesar de se tratar de sabão artesanal, tivemos que montar uma fábrica com todas as regras que lhe são inerentes. apesar de no nosso caso ser mais um laboratório do que outra coisa. depois fizemos o processo inverso ao de uma indústria ‘normal’. procurámos saber o que já foi feito, o que temos a nível de recursos e como é que podemos desenvolver um produto justo para com os nosso recursos naturais e para com os nossos parceiros». resultado: um sabão de sal da ria de aveiro inspirado nas tradições dos pescadores daquela zona; outro para cães e gatos feito à base de óleos essenciais de eucalipto e citronela que afugenta os insectos; ou ainda outro, extra hidratante, especialmente para fazer a barba. há até um com cera de abelha para lavar o carro, «principalmente carros de colecção, em que os proprietários são particularmente cuidadosos». um sucesso. já esgotou.

mas o segredo não está só no sabão. para a primeira colecção, vítor convidou o arquitecto nuno pereira a desenhar as embalagens. o próximo passo será fornecer os sabões com embalagens em branco para que outros artistas as usem para divulgar o seu trabalho. tudo isto sempre em ligação com a comunidade – as embalagens vão poder ser feitas por «instituições com pessoas com necessidades especiais, já que foram desenhadas com esse objectivo. temos tido algumas dificuldades em encontrá-las, porque normalmente estão mais vocacionadas para trabalho artístico e não para trabalho real, apesar de achar que retribuir para a sociedade é mais gratificante».

estas e outras embalagens, bem como os produtos utilizados para fazer os sabões, como o mel e o azeite estão em exibição – e à venda – na galeria contígua ao laboratório. este espaço serve ainda como um lugar de partilha entre produtores, artistas e consumidores. «só ganhamos dinheiro com o sabão, no resto não cobramos taxas, nem temos nenhuma percentagem». o objectivo mesmo é mostrar o que de melhor se faz na região.

e as ideias não parecem ficar por aqui. o casal já está a cultivar as suas próprias plantas aromáticas para delas extrair os óleos essenciais que usará nos seus próximos sabões, e já tem prevista uma nova série de produtos, incluindo cosméticos naturais, além de uma nova colecção de saboneteiras desenhadas por artistas nacionais. o próximo passo seria «reciclar azeites alimentares e utilizá-los em sabões, fechando assim o ciclo dessas matérias poluentes». já apresentaram a ideia ao ministério do ambiente, que se mostrou receptivo ao projecto: «o nosso objectivo era que o projecto funcionasse em viseu, em pequenas fábricas que pudessem prestar esse serviço à comunidade».

patricia.cintra@sol.pt