Cegos dão a conhecer Museu da Batalha

Dos cinco sentidos, apenas a visão não “entrou” este fim de semana no Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, onde pessoas cegas guiaram os visitantes através da audição, do paladar, do olfacto e do tacto.

quarenta pessoas, crianças e adultos, todas de olhos vendados, conheceram o museu pela visão dos outros quatro sentidos, descobrindo, pelas mãos, algumas das peças que figuram no espaço, descritas, também, em áudio guias que “colavam” ao ouvido, cheirando ervas aromáticas e degustando iguarias típicas da região.

“isto é um osso de dinossauro, este é um caracol marinho – tem uma areiazinha — e depois, à nossa direita, temos um fóssil de uma árvore, que parece um tronco em madeira”, dizia uma das guias, enquanto convidava o grupo que conduzia a conhecer, pelos seus dedos, as origens do território do concelho da batalha.

ao lado, um outro grupo de pessoas ouvia uma descrição – até ao mais ínfimo pormenor – do mosaico do hipocampo.

os estímulos sensoriais prosseguiram com a descoberta de cheiros — do tomilho à salsa, do louro ao alecrim — e de sabores, como um doce de amêndoa ou a tradicional morcela de arroz.

numa outra sala, os visitantes eram convidados a fazer réplicas de fósseis.

“já perdi de vista o meu barro”, exclamou martim trindade, de nove anos, enquanto os seus pequenos dedos procuravam, na mesa, o pedaço de barro, do qual, depois de prensado com um fóssil em forma de caracol, sairia uma réplica em gesso.

na mesma sala, um outro participante, a manusear o gesso, sugeriu tratar-se de farinha de milho.

a visita “às cegas” culminou com música e bailado, pelo projecto melodium, tendo o bailado direito a descrição ao vivo, e, no final da actuação, após quase hora e meia, os visitantes puderam ver, de novo.

manuela pardal, de 52 anos, cega na sequência de maus-tratos no casamento, expressou satisfação por poder mostrar o museu a quem, naquele momento, via como ela.

“eu gostei de os guiar e de os ensinar [sobre] as dificuldades que temos, as escadas, sítios que não conhecemos”, exemplificou manuela pardal.

salientando a importância da iniciativa para acabar com a discriminação ou o preconceito de que são vítimas as pessoas com necessidades especiais, manuela pardal afirmou-se também “muito útil” nesta tarefa: “no passado, vi como as outras pessoas vêem e pode acontecer a qualquer uma ficar como eu”.

um dos visitantes, nelson ascenso, de 38 anos, classificou a experiência de conhecer o museu às escuras como impressionante: “é um misto de vazio, ao mesmo tempo de tudo perto, tudo longe, é uma coisa muito estranha”.

“acho que o mais incrível que me aconteceu foi quando abri a venda e ver a cara das pessoas, ver as pequenas coisas e tudo era tão bonito”, declarou.

à agência lusa, a vereadora da câmara da batalha com o pelouro da cultura, cíntia silva, garantiu que iniciativas como esta vão continuar: “fomos diferenciadores pela inclusão e pela questão da comunidade, e vamos querer sempre manter este patamar”.

o museu da comunidade concelhia abriu em janeiro de 2011. no ano seguinte, foi eleito melhor museu português 2012 pela associação portuguesa de museologia e, volvido mais um ano, foi galardoado com o prémio kenneth hudson do fórum europeu dos museus.

com o slogan “museu de todos”, o espaço, que custou 900 mil euros e já recebeu cerca de 16 mil visitantes, está preparado para ser fruído por pessoas com incapacidades visuais, auditivas, motoras ou intelectuais.

lusa/sol