Taça da Liga: Herculano Lima no olho do furacão

Herculano Lima é o homem no centro do furacão criado pelo atraso do FC Porto na recepção ao Marítimo, para a Taça da Liga, e intensificado pelo protesto do Sporting.

Na gravação da audição de testemunhas realizada na semana passada, o presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) surge a fazer uma pergunta específica ao delegado da Liga presente no jogo.

Nestes termos: «Diga-me uma coisa, porque eu também gosto de futebol… Agora já nem gosto, pronto, já nem vou ao futebol, mas gostei muito de futebol. Diga-me só uma coisa… isto: o FC Porto realmente atrasou-se, não sei se três minutos ou dois minutos e meio. Não sei, nem quero saber. Não me importa muito o tempo que ele… Diga-me só uma coisa: a circunstância de ele se ter atrasado dois ou três minutos influenciou o resultado?».

No entender de José Manuel Meirim, professor universitário de Direito do Desporto, a questão assim colocada parece ser irrelevante para concluir se o FC Porto deve ser punido ou absolvido.

«Apresentada de forma isolada, e a ter sido feita, à primeira vista não é uma pergunta essencial para apurar se houve ou não dolo», afirma ao SOL.

O que estava em causa no caso era saber se os ‘dragões’ agiram «dolosamente com a intenção de causar prejuízos a terceiros», como está expresso no artigo 116.º do Regulamento Disciplinar da Liga. Ou seja, julgar se houve ou não um atraso planeado com o objectivo de iniciarem o seu encontro mais tarde do que o Sporting e assim poderem jogar algum tempo sabendo que resultado lhes servia para passarem às meias-finais. O regulamento prevê pena de derrota para o clube infractor nessas situações.

O delegado da Liga Fernando Araújo respondeu que não à pergunta de Herculano Lima e este juiz jubilado, de 77 anos, assumido adepto do FC Porto, pegou outra vez na bola. O diálogo, divulgado pela CMTV, prosseguiu como a seguir se transcreve:

H.L. – Não. O senhor diz radicalmente que não.

F.A. – Eu digo radicalmente que não porque, na minha opinião, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Aquilo que eu…

H.L. – Pronto, era só isso que eu queria saber. Eu estava convencido de que o atraso não teve efeitos no resultado. Era só isso. Então o FC Porto não quis obter nenhuma vantagem. Jogou o tempo normal e teve a sorte de marcar o penálti. Foi de penálti, não foi?

F.A. – Foi. Em tempo algum eu disse que o FC Porto quis tirar vantagem do atraso do jogo. Eu nunca disse isso.

H.L. – E afirma isso. Muito obrigado, não quero mais nada.

A decisão do órgão federativo liderado por Herculano Lima estava anunciada para terça-feira, mas foi adiada para hoje. A imprensa diária já tinha avançado que seria favorável ao FC Porto, contrariando a proposta da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga de Clubes, que defendeu a pena de derrota para os ‘dragões’ e o consequente apuramento do Sporting.

Cláudia Santos, instrutora da referida comissão, argumentou na audição que «qualquer pessoa que acompanha o futebol tem ideia de que há uma vantagem competitiva quando uma equipa sabe que o jogo da outra equipa já acabou e ainda dispõe de tempo para condicionar a sua táctica». Deu como exemplo a final da Liga dos Campeões de 1999, em que o Manchester United deu a volta ao marcador em dois minutos e tirou o título europeu ao Bayern Munique. «Por isso o legislador considera uma infracção grave quando há obrigatoriedade de dois jogos começarem noutro horário».

Cláudia Santos questionou o delegado da Liga se «houve um atraso provocado pelo FC Porto ou pela vistoria e procedimentos antes do jogo?». Resposta: «Eu entendo que o que provocou o atraso no jogo foi a chegada tardia do FC Porto ao countdown [espécie de compromisso tácito para as equipas comparecerem na zona de acesso ao relvado 15 minutos antes da hora do pontapé de saída]».

Outro relatório após telefonema?

A alegação do FC Porto de que a demora se deveu à necessidade de assistir Fernando, que se lesionara no aquecimento, mereceu de Cláudia Santos o rótulo de «absolutamente contraditória e irrelevante». A sustentação encontrou-a no facto de Antero Henrique, braço-direito de Pinto da Costa, ter afirmado que o FC Porto terminou o aquecimento «15 a 18 minutos antes do início do jogo» e de todas as testemunhas terem indicado que a assistência ao jogador demorou «entre cinco e dez». Logo, concluiu, «não provocaria o atraso».

Para rebater esta tese, o advogado dos ‘azuis e brancos’ fez contas e concluiu que a equipa se apresentou «às 20 horas, 41 minutos e 30 segundos», pelo que meio minuto depois estava a postos para ir a jogo. «Se não começou a horas, a culpa não pode ser imputada ao FC Porto», salientou Nuno Brandão.

Outro dado que veio adensar o interesse mediático deste caso diz respeito à alteração do relatório de jogo por parte dos dois delegados da Liga. O primeiro, entregue às 00h24, não mencionava a informação de que os responsáveis portistas tinham sido alertados para a necessidade de o jogo se iniciar «obrigatoriamente» à hora marcada – mas o segundo, enviado às 13h22, já a referia.

Questionados os dois delegados sobre as motivações desta alteração, um respondeu que aconteceu por iniciativa própria e o outro que tinha sido após um contacto telefónico do superior directo, Emílio Fidalgo. A contradição ficou no ar.

O Sporting já anunciou que vai recorrer da decisão do Conselho de Disciplina para o Conselho de Justiça da FPF. Não existem prazos para a última instância da justiça federativa se pronunciar, mas José Manuel Meirim acredita que «será um caso encarado como urgente» e que por isso não se arrastará – até por não haver necessidade de ouvir testemunhas. O jurista esclarece ainda que, enquanto não houver fumo branco da parte do Conselho de Justiça, não haverá meia-final. Não há pressa: se o Benfica e o FC Porto continuarem na Liga Europa, tão cedo não haverá datas disponíveis no calendário.

rui.antunes@sol.pt