'ATÉ TENHO PENA DE BERARDO'
TEXTO | SÓNIA PERES PINTO
FOTOGRAFIAS | BRUNO GONÇALVES
Disse no Parlamento que, de 2008 a 2012, o presidente do BCP foi Joe Berardo. O que aconteceu?
Berardo era o presidente do conselho de remunerações e tinha como vogal Luís Champalimaud que era presidente do conselho geral de supervisão, o órgão social máximo de poder dentro de uma instituição. Luís Champalimaud foi presidente e dono da companhia de seguros Mundial Confiança, onde Carlos Santos Ferreira também foi presidente. Sabemos a maneira atrevida como Berardo fala, não tenho dúvidas absolutamente nenhumas de como falava em matéria de orientação do banco. Berardo falaria grosso nas reuniões das comissões de remunerações e Luís Champalimaud não é uma pessoa de enfrentar um interlocutor, portanto, ouvia e calava. Depois como presidente do conselho geral de supervisão, Champalimaud, falava com o presidente do conselho de administração executivo e dizia: ‘Olha que ele [Berardo] quer isto e nenhum deles – tendo em conta aquilo que me aconteceu por ter enfrentado Berardo – estava disposto a enfrentá-lo. A atuação pública de Berardo foi uma das razões pelas quais Carlos Santos Ferreira foi para presidente do conselho de administração executivo e Jardim Gonçalves foi afastado do lugar de presidente do conselho geral de supervisão, tendo sido substituído por Luís Champalimaud. Nenhum deles em condições normais jamais estariam naqueles lugares se não fosse o trabalho conjugado de Berardo e depois acima o Banco de Portugal, o ministro das Finanças e o primeiro-ministro.
Berardo disse várias vezes que era preciso afastar Jardim Gonçalves e os seus amigos do banco...
Exato. Quando aparece a lista liderada por Santos Ferreira surge a seguir uma lista liderada por Miguel Cadilhe. Na Assembleia-Geral de 15 de janeiro, Miguel Cadilhe foi aplaudido, ovacionado, mas acabou por ter 2 e pouco por cento, nem sequer chegou aos 3% dos pequenos acionistas que estavam na Assembleia-Geral porque Sonangol, EDP, Caixa Geral de Depósitos, etc. votaram todos na lista de Carlos Santos Ferreira que, aliás, era produto de eles todos.
E foi nessa altura que se começou a financiar…
Quando foi à Assembleia de 28 de maio de 2007, entre a fundação e a Metalgest tinha 3,88%, mas depois terminou esse ano com 7,001%.
Berardo conseguiu pôr grande parte da opinião pública contra a liderança do banco...
Ele tinha canal aberto na SIC Notícias e é evidente que tinha audiência. Sempre que ia à televisão tínhamos circo pela maneira como falava, pelas coisas que dizia, sempre com ar de escândalo sobre coisas que eram perfeitamente normais. Acho que Berardo foi a pessoa mais atraiçoada a par de Paulo Teixeira Pinto. Foram as pessoas mais atraiçoadas em toda a guerra do BCP porque claramente quem organizou o assalto utilizou-o como testa de ponte porque Berardo com aquela maneira de falar metralhava tudo. Já Paulo Teixeira Pinto tinha vários candidatos ao seu lugar, queriam que afastasse Jardim Gonçalves para que ficasse como autoridade máxima dentro do banco. Ou seja serviram-se dele para afastar Jardim Gonçalves só que Paulo Teixeira Pinto estava doente e afastá-lo seria uma coisa de meses e depois quem é que se sentava nesse lugar? Havia vários candidatos: Manuel Pinho, ministro da Economia da altura e administrador bancário, leia-se BES, António Mexia – estes dois eram candidatos claríssimos, João Pereira Coutinho que era um acionista importante e com o seu ego gostaria muito de ser administrador do banco em vez de ser administrador da SAG. Dentro do conselho, os meus colegas António Castro Henriques e Francisco Lacerda que alinhavam com Paulo Teixeira Pinto, eram reconhecidos como os mais sabedores de banca e Francisco Lacerda já tinha sido presidente do banco Mello. Havia imensos candidatos e toda a gente estava a empurrar Paulo Teixeira Pinto para ele dar a cara na esperança de uma vez sossegadas as coisas fizessem pressão sobre ele invocando o problema da doença. Estou convencido que ele próprio se afastaria invocando razões de saúde.
Em que estado estava o banco para ter havido esse ‘assalto ao poder’?
O banco registou em 2005 e 2006 os maiores lucros da sua existência. Em 2007, apesar de toda a guerra que houve a partir de maio, ainda encerrou o ano com crescimentos de depósitos e de número de clientes, baixando ligeiramente os lucros. O banco estava muito saudável. Por outro lado, em agosto valia 15 mil milhões de euros porque em junho, julho e agosto a cotação das ações estava acima de quatro euros, como em dezembro a cotação ainda estava próxima dos três euros valia 10 mil milhões de euros. O BCP era muito apetecível e a mudança de controlo para quem venceu a batalha representou uma OPA sem ter de desembolsar dinheiro. Berardo dizia muitas vezes que se Jardim Gonçalves queria mandar no banco que lançasse uma OPA, mas depois veio ele mandar no banco sem ter lançado uma OPA. E quem perdeu foram os mais de 150 mil acionistas que o banco tinha na altura em dois momentos: primeiro porque o banco deixou de valer 10 mil milhões de euros para ter chegado a valer menos de mil milhões, apesar dos aumentos de capital que entretanto foram feitos e, por outro lado, por força da desvalorização continuada das ações. É preciso ver que o banco logo em 2009 teve de reconhecer perdas elevadíssimas na Grécia de mais de 2200 milhões de euros correspondentes a imparidades de crédito e ao hair cup da dívida grega. Se somarmos a isso os 800 milhões de euros pelo qual o banco estava a ser vendido no momento da passagem da administração para a equipa de Carlos Santos Ferreira que ele anulou o processo de venda, estamos a falar de 3 mil milhões de euros. Se repararmos, estes três mil milhões de euros são correspondentes às ajudas estatais que mais tarde tiveram de ser injetados no banco. Ou seja, todas as perdas, toda a desvalorização do banco é posterior a 2008, portanto, o apetite pelo banco não era por estar enfraquecido era por ser uma galinha gorda que era possível apropriar sem pagar por isso. Tudo isto se deveu à enorme ambição que um conjunto de pessoas tinham de controlar um banco que, nos últimos 22 anos, estava entregue a Jardim Gonçalves e às pessoas da sua confiança. Pensaram que poderiam mandar no banco porque o capital estava muito disperso e tinham assegurado um número de votos que superava a soma dos votos dos acionistas de referência fiéis a Jardim Gonçalves. Os fiéis eram a companhia de seguros Eureko que tinha à volta de 7% e a Teixeira Duarte que, no seu conjunto, tinha outros 7%. Mas era muito inferior à soma do grupo dos 7, mais a Caixa Geral de Depósitos, a EDP e a Sonangol. É preciso ver que a Sonangol não tendo intervenção ativa era o polo agregador daquela gente toda porque uma das razões para aquela gente se juntar toda era para tomar conta do banco sem despender um euro e, por outro lado, para poderem fazer negócios em Angola. Manuel Fino tinha a Cimpor e queria ter uma cimenteira em Angola, Berardo queria vender vinhos para Angola, João Pereira Coutinho queria vender carros em Angola.
Berardo chegou a dizer na audição que fez um favor aos bancos...
Na altura havia excesso de liquidez e os bancos queriam dar crédito e a afirmação de Berardo tem a ver com isso: ‘Naquela altura toda a gente oferecia-me crédito’. E o que ele diz é verdade, até fez um favor a ajudar a escoar os excessos de liquidez que os bancos tinham. Sendo certo que no caso da Caixa há uma particularidade muito importante. O líder dos bancos portugueses em depósitos era a Caixa com 23% de quota de mercado, o número 2 era o BCP com 22%, mas o líder em crédito era o BCP também com uma diferença de 1% em relação à Caixa. A CGD dispõe-se a emprestar a Manuel Fino, a Berardo e ao resto dos acionistas dinheiro não só porque fazia parte da sua estratégia de controlo do BCP, como também era muito conveniente à Caixa enquanto instituição porque todo o crédito que fosse dado, o BCP reduzia a sua posição e a Caixa aumentava. A Caixa fazia muita questão em ser o maior banco português: número 1 no ranking dos depósitos, número 1 no ranking de crédito, daí a facilidade que Berardo teve em obter crédito na Caixa.
Também disse aos deputados que pediu ao empresário para deixar o BCP em paz. Qual foi a reação?
Perguntou-me qual era o prémio e eu respondi que não havia. Na altura, a cotação das ações andaria pelos 2,90 euros, mas a partir do momento em que ficasse tudo arrumado e deixasse de haver a disputa pelo controlo do BCP, a cotação iria descer. Disse-lhe isso, a conversa foi ao almoço e à tarde ligou-me a perguntar se podia receber uma pessoa que o representaria. Ligou-me logo a seguir o corretor Francisco Marques Pereira da Lisbon Brokers que foi ao banco falar comigo para dizer que na segunda-feira, a corretora iria lançar um papper a revelar o novo price target para as ações do BCP que seria de 3,53 euros. Ou seja, Berardo estava a dizer que venderia por aquele preço e quis saber quem seria o comprador. Respondi que era a Teixeira Duarte, Berardo desceu o preço para os 3,50 euros, mas a Teixeira Duarte não subiu para mais de 3,30 euros caso contrário teria de reconhecer imparidades com a descida das ações e não queria pôr em causa a estabilidade da empresa. Não houve negócio, mas cheguei a dizer a Berardo que, pelas minhas contas, estava a ter uma mais-valia de 150 milhões, ao que ele me respondeu ‘upa, upa’ e assim deixava uma guerra que fazia sempre vítimas de ambos os lados. Mas ele tomou outra decisão e em vez de ganhar os 150 milhões de euros perdeu mil milhões de euros.