Katmandu – Hasta estava em casa naquele dia maldito. Era sábado. 25 de abril de 2015. Pensou sair em passeio com os filhos mas, de repente, a terra começou a tremer em Katmandu. 7.8 na Escala de Richter. Há mais de oitenta anos que nada fora tão violento. Pelo menos 4 milhões e meio de pessoas afetadas pela tragédia.
Durante trinta segundos Hasta não soube o que fazer: «Ficamos sempre na dúvida. Sair a correr para a rua com os edifícios a desabarem? Por mais que nos ensinem a maneira de reagir há um terror que nos paralisa».
Menos de um mês mais tarde, a 12 de maio, tudo voltou a abanar no Nepal: 7.3 na Escala de Ritcher. Um traço indelével de destruição. Que ainda perdura.
Fui várias vezes a Katmandu, mas não depois de 2015. Quero dizer: não até agora. Katmandu é uma cidade triste. Melancólica. Mantém a altivez de milhafre ferido na asa, como diria o Carlos Tê, e os milhafres voam sobre os telhados irritando os corvos.
A ilusão de um deus próximo, dependurado nas altitudes imensas dos Himalaias? Quem voa de Katmandu para Lhasa, no vizinho Tibete, que os nepaleses reconhecem como província chinesa, ao contrário dos indianos, por exemplo, grandes influenciadores durante décadas da economia do país, vê de um lado e do outro, centenas, milhares de quilómetros de uma brancura que faz doer a vista. O brilho intenso de uma luminosidade refletida em miríades de minúsculos espelhos de gelo. Sempre, sempre para nordeste, multiplicam-se as escarpas das montanhas do Topo do Mundo. Nomes estranhos que vislumbramos no mapa estendido nos joelhos e pelo qual podemos adivinhar a rota deste voo solitário, quase fantasmagórico, o lugar mais alto de toda a Terra: Gauri Shankar (7134 metros); Menglugtse (7181); Cho Ov (8201); Makalu (8463). E, sobre todos os outros, imperial, magnífico: Qomolungma, como lhe chamam os tibetanos, a Deusa Mãe das Montanhas. Ou simplesmente, à moda ocidental, Monte Evereste – do nome de George Evereste, coronel dos Serviços Topográficos da Índia, primeiro homem a medi-lo em 1841 – a montanha mais alta do Planeta: 8848 metros de altitude.
Ah! O Ocidente! A inacreditável noção de uma importância descabida. Qualquer relato sobre o terramoto de abril de 2015 refere a avalanche que se seguiu junto ao Campo Base do Evereste e que arrastou consigo para a morte 18 alpinistas. Só depois surgem os números que verdadeiramente magoam: cem mil casas destruídas em todo o país, 77 mil parcialmente arrasadas, mais de 5200 mortos, mais de 10300 feridos. O sofrimento da contabilidade sinistra.