TEXTO | LUÍS CLARO
FOTOGRAFIAS | MAFALDA GOMES
Há seis meses fora do Parlamento, a ex-ministra da Cultura de José Sócrates e antiga deputada do PS assume estar desencantada com a política e não sentir falta «nenhuma» da rotina das atividades partidárias. Canavilhas considera António Costa um «estratega político extraordinário», porque conseguiu manter a geringonça durante quatro anos. Cenário que a antiga deputada não acreditava ser possível, não deixando de salientar que os portugueses não podem estar satisfeitos com os baixos salários, aponta o aumento salarial como o desafio para a próxima legislatura. Sobre o caso de José Sócrates a antiga deputada diz ao SOL que não era próxima do antigo primeiro-ministro mas critica aqueles que dele se afastaram.
Decidiu abandonar o Parlamento. Estava cansada da política?
Estava na altura de procurar outro tipo de realização pessoal. O Parlamento tem características muito interessantes, mas é sobretudo um espaço de afirmação para quem tem uma vocação partidária. Não tenho, nem nunca tive, uma carreira no Partido Socialista. E dentro do grupo parlamentar senti, durante os sete anos que lá estive, que o bichinho partidário nunca se instalou em mim. Para crescer dentro do grupo parlamentar e entrar no jogo de poder teria de deixar crescer essa vontade para subir nas escadarias da hierarquia partidária. Nunca senti em mim essa vontade.
Era desejável que o funcionamento do Parlamento fosse menos dependente da vida partidária?
Faz parte da lógica. Não contrario isso. Não é uma coisa má. Ou se aceita esse jogo ou não se aceita. Não se aceitando pode fazer-se um trabalho interessante no Parlamento e fi-lo durante sete anos. Mas o Parlamento é o espaço ideal quando se quer muito fazer uma vida partidária. Não senti em mim essa vocação.
Porquê?
É preciso entrar na vida partidária mais cedo e ser formatado mais cedo. É uma vida muito hierarquizada com cedências permanentes a estruturas de poder. E para quem sempre teve uma vida muito independente, do ponto de vista do pensamento, é preciso sujeitar-se a essa moldagem.
Não estava disposta a fazer esse tipo de cedências?
O que digo é que chega a um ponto em que somos mais felizes a fazer outras coisas. Nem toda a gente no Parlamento tem retaguarda e tem vida própria para além da política.
Isso não é preocupante...
É um bocadinho assustador. Algumas pessoas continuam no Parlamento por não terem alternativa. Começaram demasiado cedo na política e mantiveram-se anos e anos sujeitos a estas lógicas. E, portanto, quem tem a possibilidade de ter alternativas muitas vezes opta por sair. Se olhar para o Parlamento vê que saíram muitos deputados. Mas posso fazer política e intervir socialmente sem ser através do Parlamento. Pretendo continuar a fazê-lo.
Apesar desse desencanto com a política ainda foi candidata à Câmara de Cascais. Gostou dessa experiência?
Ainda estava no Parlamento. Se calhar, a minha candidatura em Cascais e a passagem pela câmara contribuíram para a decisão de abandonar a política. Foi uma experiência que me mostrou o pior lado da política. Ajudou a desiludir-me completamente. Depois da minha experiência em Cascais fiquei a ver a política de uma maneira muito mais crua e isso desencantou-me por completo. Normalmente os olhares públicos estão muito centrados na Assembleia da República, o escrutínio público sobre os deputados é enorme, mas se esse escrutínio fosse sobre as câmaras, ai Jesus. O que se passa nas câmaras é muitíssimo mais grave do que aquilo que se passa no Parlamento. Aquilo a que assisti na Câmara de Cascais foi de tal maneira surpreendente que perdi completamente a vontade de continuar na política. Lamento muito que não haja um escrutínio muito mais sério do que se passa nas câmaras municipais.
O que a surpreendeu na câmara?
A relação das câmaras com os contratos públicos e com a comunicação social... São coisas muito graves. Por exemplo, em dois anos a Câmara de Cascais fez contratos de 400 mil euros com a Cofina. Vi os contratos, aprovados em sessão de câmara, para organizar uma festa de Natal quando sabemos muito bem que essa não é a missão da Cofina – é com outros interesses como é evidente. Fez contratos com a dona do jornal ‘Eco’ na ordem de dezenas de milhares de euros para artigos favoráveis à Câmara de Cascais. Coisas deste género. Isto está no limiar da legalidade. O_Ministério Público devia olhar para isto. Ninguém se preocupa com isto e muito menos os partidos querem fazer averiguações. Não querem enfrentar a comunicação social, nem o Ministério Público, mas há aqui grandes poderes que se sobrepõem sempre ao escrutínio. Tudo isto deixa-me muito desiludida com a transparência na política.
Alguma vez sentiu que o facto de ser mulher condicionou a sua atividade na política?
O PS é um partido muito antigo. Foi formado poucos anos antes do 25 de Abril, mas tem uma história que assenta nos valores maçónicos, muito masculina e misógina. Todos estes valores ficaram muito entrosados no PS. O CDS ou o Bloco de Esquerda são muito mais abertos à igualdade. São liderados por mulheres.
Isso não seria possível no PS?
Não vejo, nas próximas gerações, a hipótese de uma mulher liderar o PS. Na sua lógica interna faz um esforço para a igualdade e a prática é clara. Todos os grandes diplomas para a igualdade foram aprovados pelo PS. Todos os grandes passos foram dados pelo PS, mas é um partido de homens. Isso sente-se, no dia a dia, nas bancadas do grupo parlamentar e nas reuniões. No PS espalhado pelo país.
Voltou a dar aulas? Como é que vive desde que deixou a política?
Vivo frugalmente (risos). Estou no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) a fazer um doutoramento. Passei a ser aluna. Sempre gostei muito de estudar e estou muito entusiasmada. Aquilo que mais nos enriquece é o que nós aprendemos. Voltei para os quadros do Conservatório de Lisboa, estou num projeto do Ministério da Educação que apoia as escolas do ensino básico nas áreas da música e da dança e tenho um programa na Antena 2 que me dá muito trabalho, mas também muito prazer.
Como é que um ministro da Cultura lida com a ideia de que, numa altura de crise, há sempre investimentos mais importantes noutras áreas.
Apanhei o período mais difícil de todos, mas aos poucos começa a existir uma consciência cultural. Hoje, um candidato a primeiro-ministro tem mais cuidado na forma como encara a Cultura. Há uma visão diferente sobre a importância política da Cultura.
NÃO TENHO UMA PROXIMIDADE ESPECIAL COM SÓCRATES. O QUE REJEITO SÃO ESTAS POSIÇÕES PÚBLICAS A BATER NUMA PESSOA QUE ESTÁ CAÍDA. ISSO É INDIGNO
ESTAVA NA ALTURA DE PROCURAR OUTRO TIPO DE REALIZAÇÃO PESSOAL. O PARLAMENTO É UM ESPAÇO DE AFIRMAÇÃO PARA QUEM TEM UMA VOCAÇÃO PARTIDÁRIA