‘SÓCRATES FOI SEMPRE DE UMA CORREÇÃO EXEMPLAR COMIGO'
TEXTO | ANA PETRONILHO E LUÍS CLARO | FOTOGRAFIAS | MAFALDA GOMES
Para o Presidente da República, os resultados das europeias são sinal de que o PS vai ganhar as próximas legislativas e de que a direita vai entrar em crise. Concorda?
O professor Marcelo Rebelo de Sousa tem razão na análise que faz. A direita está realmente numa crise profunda. Não sei se o devia ter dito, mas disse-o e com razão. Estas eleições demonstram que a direita, o PSD e o CDS, estão numa crise profunda.
De quem é a culpa?
Estão numa crise por erros próprios, alguns deles com gravidade, e que necessitavam de uma reflexão muito séria sobre o que tem sido o percurso destes dois partidos desde a formação do Governo do PS. Há ali uma amargura que nunca deixou de existir e isso reflete-se em muitas posições que foram tomadas. O CDS assume posições de um radicalismo que para um fundador do partido são excessivas e despropositadas. E o eleitorado manifestou-se. O fenómeno da abstenção também é preocupante e deve ser analisado.
Tendo em conta que é Presidente da República, viu ali algum excesso na forma como Marcelo pôs a questão?
O professor Marcelo Rebelo de Sousa nunca deixa de ser o professor Marcelo Rebelo de Sousa. É isso que lhe dá a popularidade que tem. Se fosse outro, não tinha a mesma popularidade. Nunca deixa de ser ele próprio. Tenho por ele uma grande estima pessoal e política. É uma das pessoas mais inteligentes que conheci na minha geração.
Aprecia a forma como tem exercido o mandato?
Sim, mas nestas questões, ainda por cima ditas em inglês, foi um bocadinho para além das competências. Temos de perdoar esses pecados.
Recuando à abstenção. Por que foi tão alta?
Uma grande parte da abstenção está relacionada com a natureza da eleição, mas não sei se é só isso e se não há uma certa desilusão com os políticos e a política.
Com razão ou sem ela?
Com alguma razão. Creio que se discute muito a política e discute-se de menos os problemas dos portugueses. Isso afasta as pessoas da política. Há problemas que têm de ser discutidos. Desde o estado em que se encontra a saúde, a justiça, a mobilidade... Há muitos problemas que necessitam de mais diálogo entre os partidos. Estes políticos negam-se a esse tipo de trabalho. Rui Rio ainda tentou fazer isso, mas caiu-lhe tudo em cima. Assunção Cristas até faz do divórcio com o PS uma bandeira eleitoral. A imagem que se tem é que existe uma voz muito dura para discutir a política partidária, mas uma voz mais baixa para debater assuntos que interessam às pessoas.
A qualidade dos serviços públicos foi preço a pagar pela ‘geringonça’?
Essa é uma questão profunda. Um dos méritos deste Governo foi humanizar a política e apresentar à Europa contas certas. Isso é um aspeto positivo. Agora a pergunta é esta: é necessário ter superavit? O ministro das Finanças devia explicar se é necessário ter superavit quando há funções do Estado que têm de ser exercidas de outra maneira. Sou muito favorável a que o PS tenha uma maioria absoluta nas próximas eleições. Muito favorável.
Não simpatiza com esta solução?
Entendi esta solução porque estávamos perante um impasse parlamentar. A verdade é que os partidos que ganharam as eleições não conseguiram maioria no Parlamento. E houve dois partidos à esquerda, que não podem ser excluídos da vida democrática nem dos acordos parlamentares, que se dispuseram a apoiar o Governo. Era o que faltava que o Governo não quisesse esse apoio. Não faria sentido. Foi a realidade.
A DIREITA ESTÁ REALMENTE NUMA CRISE PROFUNDA POR CAUSA DE ERROS PRÓPRIOS, ALGUNS DELES COM GRAVIDADE
SOU MUITO FAVORÁVEL A QUE O PS TENHA UMA MAIORIA ABSOLUTA NAS PRÓXIUMAS ELEIÇÕES. MUITO FAVORÁVEL