Tim Vieira. ‘Nunca recorri a investidores, usei sempre o meu dinheiro’

Tornou-se conhecido pela sua presença no programa Shark Tank. Vive há oito anos em Portugal e diz que foi a melhor decisão que tomou. Admite que gostaria que os salários fossem mais altos, mas lembra que temos a vantagem de viver num país seguro.

Tim Vieira. ‘Nunca recorri  a investidores, usei sempre  o meu dinheiro’

Ficou conhecido pelos portugueses pela sua presença no Shark Tank…

Só fiz uma edição, mas acho que vai continuar. Foi um programa muito bom para os portugueses no tempo em que aconteceu porque fez com que acreditassem que há maneiras diferentes de adquirir capital e que podem falar dos seus projetos e ideias. Ajudou muito o empreendedorismo que está agora a crescer muito. Estão a aparecer muitas startups, temos pessoas a pensar fora da caixa e que já começam a acreditar que podem competir com empresas lá fora. 
Muitos dos candidatos que aparecerem no programa davam a ideia que nem sequer sabiam apresentar um projeto.

Acha que isso já está ultrapassado?

É um trabalho que já avançou. Noto um grande progresso nas startups que vejo e nos pitch que ouço.

E foi numa altura em que o financiamento era difícil porque os bancos não concediam crédito…

Sim, mas agora muitas pessoas já se aperceberam de que não só são os bancos a concederem crédito. Foi também importante porque começaram a perceber quais as perguntas que os investidores faziam perante a apresentação de um projeto e, a partir daí, passaram a saber o que teriam de preparar. Ao mesmo tempo, começaram a ter a noção da existência de crowdfunding e a perceber que nem todos os projetos que são desenvolvidos são para terem sucesso. E se o projeto é para falhar é preciso que falhe rápido para os empresários aprenderem com os erros. Além disso, o fracasso já não tem o estigma que tinha. 

Foi um dos tubarões que mais investiu…

Decidi que tinha de investir em mais projetos porque já sabia que só uma percentagem mínima é que teria sucesso. Alguns dos negócios em que investi fecharam, mas há outros em que as pessoas já me conseguiram pagar e gerem o seu negócio sozinhas. Temos outros que estão a crescer. Mas antes de experimentar nunca se sabe se vai ter sucesso ou se vai fracassar. 

Tem ideia em quantos projetos investiu?

Cerca de 17, metade tiveram sucesso, a outra metade nem por isso. Mas todos aprendemos muito e quem fracassou agora tem mais experiência para apostar nos próximos projetos. Foi acima de tudo um caminho de aprendizagem.

Costuma falar com os empresários cujos projetos falharam?

Sim, constantemente. Mantivemos sempre o contacto, além do negócio ficámos amigos. Ninguém entra num negócio para correr mal, mas às vezes corre mal e é preciso andar para a frente.

E quanto é que investiu?

No programa foi à volta de um milhão, mas fora do programa rondou os dois milhões de euros porque muitas empresas precisaram de mais investimento para crescerem. 

Tem dito que muitos negócios começam numa garagem…

Muitos começam com meios muito pequenos, daí dizer que começam numa garagem. Por exemplo, a HP começou numa garagem. Mas o importante é ter uma visão maior do projeto, não podemos ter medo de bater às portas porque podem ser criadas sinergias que potenciam o crescimento. Era aí que sentia a maior dificuldade dos empreendedores portugueses porque não acreditavam muito, mas até isso mudou completamente. Também houve muitas coisas que contribuíram para isso, é o caso do Web Summit. Além disso já começam a aparecer os empreendedores que tiveram sucesso e também isso é importante porque sucesso traz sucesso. 

E já pensam no mercado internacional?

Temos de pensar que vem aí outra crise, o mundo é assim, quando pensamos que está tudo bem daqui a três anos pode estar tudo mal. Para Portugal e para as nossas pequenas e médias empresas : não podemos ter só um sítio para vender, temos de ter vários porque já percebemos que nem todos os países estão mal ao mesmo tempo. Agora há países como Angola e Brasil que estão a sofrer, mas daqui a três anos podem ser eles a estarem no topo e Portugal não. Mas tenho de dar os parabéns aos nossos empreendedores porque todas as nossas empresas estão a crescer para fora do mercado nacional e isso é positivo porque há uns anos isso não acontecia. Temos de acreditar que somos bons e que conseguimos competir. 

Acha que a marca já é mais reconhecida lá fora?

Muito mais, mas também ninguém faz negócio connosco por sermos portugueses. Hoje em dia falamos em Portugal e já se associa a sapatos, turismo, comida.

E a Cristiano Ronaldo…

(Risos) Cristiano Ronaldo, claro. Mas até ele é um bom exemplo para os portugueses: a maneira como com trabalha e treina mais do que os outros. É uma pessoa que acredita e quer ser o melhor do mundo. Se tivéssemos em Portugal 11 milhões de Cristianos Ronaldos imagine onde é que iríamos chegar!

Mas o turismo é a grande aposta de Portugal principalmente nas grandes cidades. Outras áreas estão a ficar para segundo plano?

Também conseguiríamos competir em outras áreas, como a agricultura que tem um elevado potencial e o software. O turismo é importante, mas não é tudo. Claro que é uma maneira rápida de criar empregos, mas temos de começar a desenvolver um turismo para que consiga pagar mais às pessoas. 

Os salários baixos continuam a ser o nosso calcanhar de Aquiles?

Gostava que os salários fossem mais altos, tanto que está mais caro viver em Portugal. Temos de começar a ter empregos que comecem a dar mais retorno. Mas já há uma coisa positiva, vejo cada vez mais jovens a acharem que não precisam sair do país porque encontram emprego e negócios. E no caso do software, os jovens já estão a ganhar muito bem e é um setor que começa a ser difícil encontrar talentos. Mas apesar dos salários baixos, em contrapartida, somos autênticos, temos valor e somos humanos, tudo isso tem muito valor. Não representa dinheiro, mas em termos pessoais é muito positivo e aí somos muito ricos em qualidade de vida. Se calhar somos os países mais ricos do mundo. 

Mas isso não paga as despesas…

Não, mas também temos de perceber o que é mais importante: é ter carros novos de três em três anos ou irmos à praia beber um café e podermos estar relaxados? Temos de conhecer os nossos limites e viver dentro deles, sempre com a ambição de crescer mais. Podíamos ter mais, mas já temos muito. Temos um país seguro, há países em que podemos ganhar mais, mas também gastamos muito para termos segurança. Temos um serviço de saúde, escolas e, por isso, tudo é relativo. 

Que conselhos daria a um novo investidor?

Que estava a fazer uma boa aposta, Portugal é um país bom para investir, as mentalidades estão melhores do que estavam há uns anos atrás. É um país que consegue competir no mundo e tem jovens com talento. 

E sugeria alguma atividade?

Temos de atrair empresas que façam bases para gerir para África ou Médio Oriente. É muito positivo vermos a Google abrir cá um escritório e não vai ser a única. Fala-se também da Nestlé, da Mercedes Benz, etc. Mas sem dúvida que o Governo tem que ser mais agressivo para trazer mais empresas dessas, porque ajudam não só a economia como as pequenas empresas à sua volta. 

Quando diz que o Governo deveria ser mais agressivo está a defender uma redução da carga fiscal para as empresas?

Até nas startups pagam-se custos que não existem em mais nenhum país. E ainda por cima os números são conhecidos: só 5% das starturps é que têm sucesso, se conseguíssemos baixar a carga fiscal então a taxa de sucesso já poderia subir para 10%. E isso iria melhorar mais os salários e empregar mais pessoas. É o que acontece em países mais competitivos, como a Irlanda e a Holanda. Portugal precisa que as pequenas e médias empresas se transformem em grandes empresas.

Defende uma maior aposta na agricultura. O Tim tem um apostado nos frutos vermelhos…

Aposto em framboesas e em mirtilos, é um setor em que todos os anos investimos o que ganhamos. O que começou com um hectare já vai em 35 e acredito que ainda há muito para ser feito. Estou também a investir em energia e em hotéis. Tenho um projeto turístico na Ericeira e no Alqueva dirigido à geração dos millennials. Ou seja, quero mostrar Portugal de forma diferente e atingir um target diferente. 

Acharam estranho quando anunciou o investimento nos frutos vermelhos, já que é um setor onde temos estado de costas voltadas?

E continuamos a estar, ainda não há uma estratégia muito séria para a agricultura. Há muitos agricultores pequenos a sofrer com isso, fizeram projetos e ainda não receberam os fundos para os desenvolver e andam com a corda no pescoço, isso faz uma pena. É tão bonito ver jovens a voltarem-se para a agricultura e a trabalharem a terra, mas se não há não um suporte ou uma rede para os ajudar é muito difícil. 

Passaria pelo pagamento de subsídios?

Fala-se em subsídios, mas depois isso não acontece. Os agricultores têm um business plan mas não conseguem executá-lo e a culpa não é deles. Os países à nossa volta estão cheios de subsídios e funcionam, então estamos aqui com uma competição difícil e é complicado ganharmos. 

O que está a falhar?

Temos de olhar de cima para baixo. Os de baixo querem fazer coisas acontecer, mas não têm o suporte de cima – e assim é muito difícil. Por exemplo, no turismo estamos a ter muito sucesso porque os planos vêm de cima e isso é visível pelas estratégias que têm sido implementadas. O mesmo aconteceu com as exportações, onde foram desenvolvidos planos para ajudar. Na agricultura isso não acontece.

Que idade tinha quando lançou o primeiro negócio?

Tinha 12 anos quando comecei a vender as primeiras coisas. Comecei por fazer cadeiras com molas de roupa e como consegui vender apercebi-me que se vendesse alguma coisa conseguiria comprar o queria. Fui-me apercebendo que a minha vida passava por isso, ou seja, tinha de lutar para ter aquilo que queria.

E a partir daí nunca mais parou?

Nunca mais parei. Nunca abri nenhum negócio com investidores, foi sempre com o meu dinheiro.

Nasceu na África do Sul, mas como foi a sua ligação a Portugal?

Sempre estive ligado a Portugal. Todos os anos vinha cá passar um mês de férias, passava quase sempre por Vila de Franca de Xira e por Portimão, onde tinha família. 

E quando é que optou por vir viver para Portugal?

Foi uma decisão fácil. Há oito anos eu e a minha esposa pensámos: ou vamos viver para o Cabo ou para Cascais, os meus dois sítios favoritos do mundo. Optámos por Cascais. Achamos Cascais um sítio espetacular e, ao estarmos aqui, podemos conhecer Portugal inteiro. Portugal é um país abençoado: tão pequeno e com tanta coisa diferente.

Também costuma ir para o Alentejo…

Sim, para a Zambujeira [do Mar] que faz-me lembrar muito África, onde tenho muito espaço e onde tenho os meus cães.

Sei que viajou com família por seis meses e levou um professor…

Foi uma grande experiência e que quero repetir para o ano ou em 2020. Quero estar nove meses fora de Portugal e estou a pensar em fixar-me em Macau, que usarei como base para visitar a Ásia. É muito bons os meus filhos estarem na escola, mas também é muito bom viverem outras experiências e verem que o mundo não é Portugal porque, como já, disse Portugal é um país abençoado, sem problemas em termos de segurança. Mas eles precisam de ver mais do que isso, precisam de ver a verdade do mundo e gosto de lhes dar essa experiência. E eles também acham isso espetacular, apesar de o meu filho mais velho já ter dito que não quer ir porque diz que Cascais é que está no seu coração, mas já lhe respondi: não há problema, o teu coração fica em Cascais mas o teu corpo vem connosco para Macau. 

Que idade é que eles têm?

13, 11 e oito anos. 

E vai levar novamente um professor?

Desta vez não. Eles vão para a escola e vamos usar os fins de semana e as férias para viajar. 

Li que tem medo de andar de aviões mas tirou um curso de piloto…

Há alturas em que tenho mais medo do que noutras. Mas as pessoas têm medo quando não percebem como é que as coisas funcionam e foi isso que fiz. Quando estava com mais medo decidi tirar o curso de piloto para perceber melhor e, a partir daí, melhorei muito. 

E já voa sozinho?

Não. Fiz 13 horas, mas depois o meu carro foi assaltado em África do Sul, levaram-me os livros e acabei por desistir. Mas já tinha feito uma aterragem, levantei e até levei a minha mãe no avião com o instrutor.

E ela não teve medo?

Não, a minha mãe é uma pessoa forte. 

Também é um apaixonado por carros…

Gosto de tudo o que faça as pessoas viver. Os carros para mim são uma arte, uma coisa linda. 

É uma pessoa de paixões?

Sim, tanto que onde agora estou a investir mais é em filmes. Lancei agora o filme Carga que esteve em Cannes. Foi feito em inglês e é sobre e tráfico humano com o Vítor Norte, Rita Blanco e Miguel Borges, Sara Sampaio. Fizemos um filme que me orgulha muito. Esta é uma paixão nova. Estive agora envolvido no filme A Linha de Sangue que vai sair em julho. Sou uma pessoa de paixões.

Com tantos projetos consegue descansar?

Consigo, mas também costumo dizer que tenho muito tempo para descansar quando morrer. Nunca dormi muito, durmo o suficiente. Além disso, tenho boas pessoas à frente dos projetos e isso é o que é mais importante. 

Delega muito?

Sim e tem corrido bem. O meu nome é Tim mas é mais team [equipa]. Nunca tive problemas em confiar nas pessoas. 

Sente-se mais sul-africano ou português?

Tenho um coração grande onde cabem os dois países. Quando estou na África do Sul todos dizem que sou português, quando estou em Portugal dizem que sou sul-africano. Tive sorte de ver a África do Sul a ganhar o campeonato de rugby em 1995 e também já tive a sorte de ver Portugal a ganhar o Euro há dois anos. Já me estou a preparar para a vitória no campeonato do mundo.