José Magalhães: PS deve ‘ter conversa com PCP’

José Magalhães apresentara no dia anterior o livro Submarinos.pt e escolheu uma esplanada que abarca o estuário do Tejo para o copo ao fim da tarde com o SOL. Não estava à espera de ver o periscópio do Arpão ou do Tridente, os submersíveis que o deputado do PS trouxe à superfície nas páginas escritas…

Mas as imagens que escolhe são bem nítidas quando fala da compra que lesou o Estado português. “Foi-nos proposto um BMW desportivo e acabámos com um BMW… razoável!”. Chama ao livro uma “autópsia em vivo”, que expõe uma escala de ocultação de documentos oficiais que o deixa estarrecido. Lamenta que os segredos em catadupa invocados pelo Estado para ocultar informação – ao Ministério Público e aos deputados de duas comissões parlamentares – tivessem resultado num “inconseguimento da Justiça”.

O livro, para espanto dos amigos, tem menos “pontos de exclamação que pontos de interrogação”. Magalhães não quis que o ruído político da pré-campanha eleitoral estragasse o alvo principal: a denúncia da opacidade do Estado, a falta de escrutínio de um negócio ruinoso. Talvez por isso não haja nenhum Jacinto Capelo Rego no livro, ligando o pagamento de luvas dos alemães à ESCOM ao financiamento do CDS. Submarinos.pt não é “um libelo anti-Portas” , não é um ‘J´accuse’. Isso dará outro volume, promete.

A conversa que começara sobre uma varanda ensolarada – ideal para as fotografias – passou para o interior sombrio do bar. E do interesse legítimo em aceder à informação pública, passámos para os esforços de José Magalhães manter privadas as suas comunicações telefónicas. O assunto é sério, garante. No telemóvel tem aplicações que encriptam chamadas e protegem o envio de e-mails. Que usa diariamente.

Aproveita para desmontar ‘mitos urbanos’ sobre BlackBerry à prova de escutas e aconselha a tirar a bateria a um telemóvel desligado se a intenção é evitar espionagem.

Já em tom de brincadeira, fala-se dos pequenos vídeos que tem feito de trabalhos de comissões parlamentares em que participa. Valeram-lhe uma queixa de colegas à presidente do Parlamento. Ri-se. À saída, irá recolher imagens da esplanada, uma panorâmica do Tejo e até uma fotografia de três gatos pendurados num muro da Rua de Santa Catarina. “Vai dar imensos likes no Facebook”, provoca.

Magalhães é o quase decano do Parlamento, onde entrou em 1983, como deputado do PCP. Ainda era comunista quando começou a polemizar com Pacheco Pereira e o centrista Nogueira de Brito no Flashback da TSF, o programa de rádio que evoluiu para a Quadratura do Círculo. O fim do império soviético veio a par com a saída do PCP e em 1991 entrou para o PS pela mão de Jorge Sampaio. Esteve no Governo, como secretário de Estado de António Costa. É, como o actual líder do PS, um homem capaz de fazer pontes.

Sentiu-se próximo de Mariana Mortágua, na comissão de inquérito do BES, fala com simpatia de Jerónimo de Sousa, a quem ensinou Direito Constitucional quando eram camaradas. “Nunca fiz de viúva de Lenine”, sublinha, “nunca tive o zelo idiota dos neo-convertidos”.

Deseja agora a aproximação do PS e do PCP a seguir às eleições legislativas que espera ver ganhas pelos socialistas. “Há uma conversa a ter com o PCP que deve ser tida. O PCP não está condenado à oposição eterna, se apostar na construção de uma alternativa”. Antecipa um programa comum, “uma agenda de valorização das pessoas e de desenvolvimento”. Logo se verá.

Pacheco Pereira,o fiel depositário

Tem saudades das polémicas com Pacheco Pereira, o amigo e fiel depositário do seu espólio de livros quando, a seguir à derrota de Sócrates em 2011, rumou ao Brasil. Há uma ala Magalhães na grande biblioteca da Marmeleira? A resposta é humilde: para já é só um depósito.

Quanto à sua aventura brasileira, rendeu-lhe um romance, com o título biográfico Homem de Leis Perdido nos Trópicos Procura Senhora Honesta. E valeu-lhe também uma infecção que o ia matando e lhe deixou sequelas físicas. Entre dois golos de água tónica, adensa o seu romance pessoal que terá envolvido uma tentativa de o assassinarem.

De volta a Portugal e ao Parlamento, em 2014, o deputado de 63 anos compraz-se em percorrer a cidade de Lisboa a pé. E atira-se agora a mais um mandato (serão quatro anos, “no máximo”), rejeitando porém um “pendor” para voltar ao Governo. Já teve a sua coroa de glória na governação, o choque tecnológico que provocou na administração pública. E lamenta as “pantanas tecnológicas” da máquina da Justiça.

Ao chegar à Calçada do Combro, perto já do Palácio de São Bento, termina as reminiscências do passado político e antecipa as saudades que terá no futuro: o filho vai emigrar em breve para a Inglaterra, privando-o do contacto regular com a neta Inês, de dois anos. Anima-se porém com o quotidiano de migrante, num vaivém entre Lisboa e Porto onde também tem casa. Faz a defesa do Norte (“temos lá tudo excepto o Algarve”) e do comboio Alfa que prefere ao avião: “Tem internet e dá-me três horas de concentração no mesmo tema”.

Bar: Noobai

Bebidas: Água tónica com limão e gelo para José Magalhães e os dois jornalistas. Com direito a ‘refill’

Conta: 9,5 euros

manuel.a.magalhaes@sol.pt