Professores no limite agridem alunos

Na últimas semanas três professores foram acusados de maus-tratos a alunos. Estes casos de violência estão a ser mais denunciados nas escolas, mas muitos docentes continuam a dar aulas mesmo depois de serem condenados. 

Por Gonçalo, de nove anos, ter apanhado a borracha que caiu no chão durante a aula, o professor agarrou-o pelo pescoço e arrastou-o para fora da sala. No corredor, as agressões continuaram. Segundo a queixa feita à PSP pelos pais da criança, Joaquim Matos, que dá aulas de História na escola EB 2,3 António Feijó, em Ponte de Lima,_deu uma bofetada com tanta força ao aluno do 5.º ano que este se desequilibrou e caiu. Ainda estava no chão quando levou um pontapé. «O meu filho ficou em estado de choque e começou a sentir-se mal», conta ao SOL Cidália, mãe do aluno, explicando que as suspeitas de maus tratos vão ser agora investigadas pelo Ministério Público. «As marcas deixadas no pescoço, na cara e nos braços pelas agressões foram vistas pelos médicos e fotografadas por peritos de medicina legal para serem juntas à queixa-crime», acrescenta a mãe, garantido que até aquele dia nunca tinha havido qualquer problema com este professor, que tinha estado de baixa psicológica no ano passado e que está também agora a ser investigado pela escola.

O caso aconteceu a 15 de Outubro, precisamente no dia em que a família de um rapaz de sete anos acusou dois professores da escola básica na Pontinha, a Serra da Luz, de agredirem o menor, um deles com uma vara. Para apurar as alegadas agressões foi já aberto um inquérito interno, adiantou ao SOL o diretor do agrupamento, Jorge Nunes.

Estas situações estão a preocupar professores e associações de pais que denunciam a falta de acompanhamento psicológico dos docentes, sobrecarregados de trabalho e muitas vezes com doenças psiquiátricas. Por outro lado, alertam, muitos dos docentes alvo de queixa ou mesmo condenados por agressões continuam a ensinar nas escolas.

É isso mesmo que confirma ao SOL, o Ministério da Educação e Ciência (MEC), que nos últimos cinco anos expulsou do ensino 11 professores por agressões ou abusos sexuais a alunos. «Nos casos em que não há demissão ou medida judicial que impeça o contacto com crianças, os docentes voltam ao serviço, depois de cumprirem as suas sanções disciplinares e penas de natureza criminal», admite fonte oficial do Governo.

Condenada por maus-tratos colocada noutra escola

Foi o que aconteceu a uma professora do ensino básico condenada no ano passado a dois anos e dois meses de prisão com pena suspensa por ter agredido com bofetadas e puxões de orelhas dois alunos de seis e sete anos na escola EB1 de Oliveira do Castelo, em Guimarães. Sandra Freitas recorreu da sua condenação para o Tribunal da Relação de Guimarães, mas em março deste ano, os juízes confirmaram a pena. Apesar disso, foi colocada este ano letivo num agrupamento de escolas em Braga.

Na EB1/JI n.º1 do Pragal, também há relatos deste tipo de violência. Uma professora primária está a ser investigada por suspeitas de agressões físicas e psicológicas a alunos de sete e oito anos. Em fevereiro passado, a escola abriu um inquérito após queixas dos pais, mas ao fim de oito meses a investigação ainda se arrasta. Até à sua conclusão, o estabelecimento não pode atuar, esclarece fonte do agrupamento.

A explicação para isso é simples: «a suspensão de professores só pode ser feita em casos excecionalmente graves e em que a fundamentação para a suspensão é óbvia e imediata», explicou ao SOL o diretor de um outro agrupamento escolar. Por outro lado, referem vários responsáveis de escolas, na maioria dos casos as versões dos professores e alunos são contraditórias e a prova é difícil de fazer.

Por isso, muitos casos são arquivados. Na Escola EB1 de Silves, o processo disciplinar aberto a uma professora por suspeitas de agressões a um aluno de seis anos teve esse fim. Isto, por não se conseguirem provar as acusações da mãe de Martim Jacinto, que chegou mesmo a esconder um gravador na mochila do filho para registar os maus tratos, incluindo vários insultos que eram feitos ao menor. Mas segundo adiantou ao SOL o diretor do agrupamento, João Gomes, essas gravações não só eram «ilegais» como tinham «má qualidade».

O caso foi, entretanto, encaminhado para o Ministério Público que está a averiguar a queixa. Pelo meio, em início de 2014, Martim Jacinto foi transferido para outra escola. Já a professora continua a acompanhar a mesma turma.

Mais apoio psicológico

À Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) chega todos os anos uma dezena de queixas de agressões. «São casos de alunos que apanharam uma bofetada ou foram agarrados pelos professores, mas também de agressões verbais sobretudo no primeiro ciclo», explica o presidente Jorge Ascensão, considerando que estas situações são sempre preocupantes e que os educadores devem sempre tentar resolvê-las com as escolas. «Os pais devem fazer queixa e acompanhar o inquérito interno e, se for necessário, avançar para a Justiça», aconselha.

Há três meses, as agressões a alunos valeram a uma professora da Amadora uma condenação a prisão efetiva: Maria Inês Louro foi condenada pelo Tribunal de Sintra a uma pena de seis anos de cadeia por maus tratos a 19 alunos de cinco e seis anos da Escola Primária da Venda Nova. Estava a tomar medicamentos para a ansiedade quando lhes deu bofetadas, pancadas na cabeça e bateu com o livro de ponto e com um pau de vassoura. Negou sempre os crimes e já recorreu da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Para situações como esta, os especialistas pedem «punições exemplares». «São casos muito graves e cada vez mais denunciados pelos pais», diz ao SOL Nazaré Barros, autora do livro Violência nas Escolas – Bullying.

Para a professora, esta agressividade só é explicável porque há docentes com problemas psicológicos que continuam a trabalhar sem qualquer apoio. «Há pessoas profundamente doentes a ensinar e outras a trabalhar no limite», diz, acrescentando que muitos docentes são obrigados pelas juntas médicas a continuar nas escolas e outros optam por não meter baixa para não serem penalizados financeiramente.

Ao mesmo tempo, por falta de recursos, as escolas não conseguem apoiá-los e prevenir estas situações. «Os professores acumulam cinco ou seis turmas e muitos deviam ter acompanhamento dos psicólogos da escola para gerirem melhor a relação com os alunos», diz Nazaré Barros.

Também para o professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, João Amado, é fundamental que os docentes recebam apoio na escola. «Deviam ser acompanhados pelos psicólogos para lidar com as situações mais complicadas e prevenirem futuros problemas», defende, reconhecendo que nos estabelecimentos de ensino os peritos «são poucos e não têm mãos a medir com os problemas dos alunos».

Gonçalo, o estudante agredido em Ponte de Lima está a ser acompanhado pelo psicólogo da escola. Mas ir às aulas ainda lhe causa alguma ansiedade, reconhece a mãe: «Tem medo de encontrar o professor de História que o maltratou». Mas há uma semana que o docente não é visto no estabelecimento de ensino, tendo faltado à reunião entre a direção da escola e os pais do aluno e a todas as aulas agendadas.