A esquerda agarrada ao passado

«Quando as discordâncias em matéria financeira levam a acusações de que os partidos da oposição se bandearam com as instituições europeias e que são os novos traidores à Pátria, o odor ao salazarismo mais bafiento e o ridículo mais agudo abatem-se sobre quem faz tais afirmações». 

Esta frase de Paula Teixeira da Cruz nas comemorações do 25 de Abril chamou-me a atenção.

A ex-ministra referia-se às repetidas acusações feitas pela esquerda a dirigentes do PSD e do CDS de juntarem a sua voz à ‘malandragem’ que em Bruxelas conspira contra o Governo português. 

Estas acusações são curiosas, por várias razões.

Primeiro, porque pressupõem a existência de uma guerra entre Bruxelas e Lisboa.

Partem do princípio de que a União Europeia é uma organização quase mafiosa que quer o nosso mal e que tudo faz para nos prejudicar.

E isto lembra, de facto, o último período do salazarismo, quando o regime se dizia «orgulhosamente só» e só via inimigos no estrangeiro.

Foi contra esta ideia, aliás, que depois do 25 de Abril o PS lançou a campanha ‘A Europa Connosco’, que visava dizer que deixáramos de estar ‘orgulhosamente sós’ para estarmos bem acompanhados.

Mas esse estado de espírito mudou.

Muita gente na esquerda parece hoje desejosa de regressar ao isolamento internacional e faz apelo a um nacionalismo bacoco.

O BE quer reestruturar a dívida, o que implicaria um novo resgate – visto que, depois disso, ninguém nos emprestaria dinheiro e o BCE deixaria de nos financiar.

O PCP quer estudar a saída do euro e, no fundo, defende a reposição do escudo.

E o próprio PS, até há pouco fervorosamente europeísta, apadrinha estas iniciativas.

Dir-se-á que o faz por razões táticas, para agradar à extrema-esquerda, mas a verdade é que o faz – e essas posições têm consequências.

A extrema-esquerda encontra-se cada vez mais numa posição ‘defensiva’, propondo que nos isolemos no nosso castelo.
Quer que saiamos da União Europeia e nos fechemos ao mundo – pois, além de serem antieuropeus, o PCP e o BE também são contra a globalização.

Independentemente de questões ideológicas, não percebo como eles pensam que Portugal iria sobreviver.

Será que teríamos viabilidade fora da UE, regressando ao escudo e encerrando as fronteiras para não sofrermos as consequências da globalização?

Será que poderíamos viver daqui para a frente fechados neste cantinho, sem daqui sairmos?

Será mesmo isto que desejam o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda?

E, não sendo isto, é o quê?

No tempo de Salazar, a União Europeia dava os primeiros passos, a globalização era muito mais incipiente do que é hoje e Portugal tinha um império.

E, mesmo assim, Salazar rejeitou o isolamento total e quis que Portugal fosse membro fundador da EFTA, associação de comércio livre criada em 1960.

Ou seja: mesmo num momento da História muito mais ‘atrasado’ no que respeita ao intercâmbio entre as nações, mesmo possuindo um vasto império colonial, Salazar teve a perceção de que Portugal teria de se abrir ao mundo.

Será que os partidos que apoiam hoje o Governo querem, mais de 50 anos depois, um Portugal orgulhosamente só?

Mas estas atitudes da extrema-esquerda têm uma razão de ser: nas últimas três décadas, direita e esquerda têm vindo a trocar de posição.

Até aos anos 70 e 80 a esquerda era progressista, apostava no progresso e na mudança, acreditava no futuro.
A direita, pelo contrário, era conservadora e temia os novos tempos.

Só que, com o avanço da globalização, com o aumento da competição a nível mundial, com a China a transformar-se na grande fábrica do mundo, com tudo isto, as chamadas ‘conquistas dos trabalhadores’ europeus (direito à greve, proibição do despedimento individual, 35 horas de trabalho semanais, um mês de férias, 14 salários por ano, escola e saúde gratuitas, etc.) ficaram em perigo.

E assim, a esquerda passou de uma atitude ofensiva a uma atitude defensiva.

Começou a defender o que já tinha alcançado.

Passou a não querer que se mexa nas leis laborais, a não querer que se altere a Constituição, a não querer que se mude nada.

A direita, pelo contrário, sendo mais pragmática, mais realista, menos agarrada à ideologia e mais aderente à realidade, adaptou-se mais depressa à globalização e percebe que as mudanças são inevitáveis.

E que, quanto mais Portugal se atrasar a fazê-las, menos competitivo será no mundo global. 

Assim, a direita tem hoje uma posição reformista, defende a mudança, a evolução das leis, a revisão da Constituição, enquanto a esquerda olha para trás. 

Podemos dizer mal de Bruxelas, diabolizar a globalização, querer o regresso do escudo, agarrarmo-nos com unhas e dentes à Constituição da República como se fosse um texto sagrado – só que isso não resolve nada.

O mundo move-se – e nós não podemos ficar parados no tempo, imóveis.

A menos que nos queiramos tornar uma Cuba ou uma Venezuela da Europa.

Aqueles que ainda saúdam Alexis Tsipras – que aliás já se rendeu – não percebem que ele é um produto do desespero.

Que não tem solução nenhuma para apresentar.

Ao agarrar-se a um passado que não volta, ao querer reverter tudo, ao recusar a mudança, a esquerda portuguesa está a comprometer o futuro do país.

Porque, se não oferecermos melhores condições do que outros, ninguém investirá aqui; e, se não produzirmos em condições mais vantajosas do que outros, os nossos produtos não serão atrativos lá fora.

Tão simples quanto isto.