Regulamentar a prostituição?

Fui confrontado pela manhã com uma notícia que dava conta de duas moções apresentadas pela JS no âmbito do Congresso do PS.

Até aqui tudo normal. 

Porém, lendo, verifico que uma das moções pretende ‘legalizar’ o consumo de drogas leves (o que já está disciplinado) e outra pretende fazer o mesmo com a prostituição.

Ora, se bem que a primeira não mereça muitos comentários quanto ao conteúdo estrutural, a segunda, essa sim, porque pretende dar corpo a algo que já foi objeto de discussão, por diversas vezes, merece uma análise mais atenta.

Sabemos todos da inferioridade social em que as mulheres e homens, por circunstâncias muito variadas de vida, se dedicam à prostituição. Situações, muitas de miséria absoluta, de menorização ou dependência face a terceiros. Terceiros que as controlam, que as manipulam e que lhes retiram parte do auferido pelas mesmas a troco de uma qualquer ‘proteção’.

Claro que pensar em situações que confiram uma tutela de saúde e de melhores condições é sempre de louvar. Já Salazar o quis fazer, recolhendo-as em ‘casas’ onde eram submetidas à denominada ‘inspeção sanitária’.
A liberdade de dispor do corpo, mesmo quando o mesmo é agredido física ou emocionalmente, é algo patente no normativo jurídico e causa de exclusão de responsabilidade do ‘agressor’ quando estamos perante um consentimento prestado em consciência. É o caso do consentimento prestado para a prática de determinados atos médicos invasivos.

Nada de anormal, portanto, no intuito que se pretende dar em ambas as moções.

Com caráter excecional já sim – e nas duas a pretensão de ver criar um enquadramento fiscal para a produção, distribuição e consumo das drogas leves e, quanto à prostituição, um enquadramento que responsabilize os donos de casas onde a mesma se pratica. Um paradoxo!  

Embora se saiba que o artigo 1.º do Código do IRS permite taxar uma atividade ilícita como o consumo de estupefacientes ou a prostituição e sua facilitação, taxar os donos dos estabelecimentos onde se praticariam atos de prostituição é desconhecer a realidade, pois normalmente nesses estabelecimentos, bares, boîtes, nenhum ato sexual se pratica.

Resta taxar as próprias prestadoras(es) de serviços!

Chegaremos ao cúmulo de, por cada ato sexual posto ao dispor do cliente, o mesmo solicitar um recibo. E de as mesmas, agora empresárias em nome individual, terem de cobrar IVA pelos atos sexuais disponibilizados. 

Maior cúmulo será colocar-se a questão de saber se estamos perante um serviço essencial onde a taxa de IVA é reduzida!  E, assim sendo, colocar-se a hipótese de, mediante prescrição médica que recomende este tipo de terapia, a taxa de IVA ser então atenuada para os 6%!

Por uma questão fiscal, até se pode colocar a hipótese de as profissionais se agruparem em sociedades comerciais.  A reconhecida imaginação portuguesa dará certamente excelentes denominações às ditas sociedades! ‘Café com leite – sociedade de prestação de serviços, Lda’ e ‘Fruta ou chocolate – sociedade de prestação de serviços, Lda’ não dá, pois podem vir a ser reclamadas por algum agente do mundo do futebol que das mesmas se lembrou primeiro.

Com o decurso do tempo estamos mesmo a ver o que vai acontecer: quem não tem um médico amigo? 
Daqui a uns anos lá está o Ministério Público a investigar e a constituir arguidos centenas de médicos facilitadores!

De relevo, tão só e apenas, a preocupação, séria, com a saúde, dignidade e acompanhamento das e dos prestadores de serviços sexuais. Algo por que diversas associações têm vindo a pugnar há muito tempo. 
 Isto dá para tudo, não nos falte a imaginação… (enquanto esta não passar a ser taxada).  

Enfim! Regulamentar é preciso…

*Advogado