Dinamarca: A cruz de Helle

Mais do que a estagnação da economia ou o crescente descontentamento da população com os cortes no estado social, são os norte-americanos a maior dor de cabeça para Helle Thorning-Schmidt, primeira-ministra da Dinamarca.

Depois de a fotografia tirada com Barack Obama na homenagem a Nelson Mandela em Dezembro a ter catapultado para a fama, agora foi a venda de parte da eléctrica estatal do país à Goldman Sachs que quase lhe custou o lugar.

A alienação de 18% do capital da Dong ao banco de investimento norte-americano, uma participação com direito de veto sobre a administração e decisões estratégica da empresa, foi a ‘gota de água’ para os socialistas, os maiores parceiros de coligação do Governo de Thorning-Schmidt.

Num país que é considerado o menos corrupto (Comissão Europeia) e o mais transparente do mundo (Transparência Internacional), a entrada da Goldman Sachs numa empresa pública provocou uma contestação sem precedentes. A maior petição online da história do país vetou o negócio (200 mil numa população de 5 milhões) e uma sondagem mostrou que 70% dos dinamarqueses estavam contra a entrada de um dos símbolos do capitalismo mais selvagem na Dong. Pior que a entrada, foi a falta de transparência.

Estranho negócio

Quando a polémica estalou, descobriu-se através de audições parlamentares que a Goldman Sachs não tinha feito a proposta mais alta; e que 60% do dinheiro investido estava assegurado pelo Governo, que tinha ainda concedido direitos especiais ao banco norte-americano, como direitos de veto sobre a administração, aquisições ou plano de negócios.

Os socialistas saíram do Executivo em protesto e levaram seis ministros, alguns com tutelas como Negócios Estrangeiros ou Impostos. Thorning-Schmidt, do Partido Social Democrata, recusou eleições antecipadas (Dinamarca vai a votos em 2015) e avançou com uma remodelação do Executivo governando apenas com o Partido Liberal, de direita.

Para já, a aliança a dois é considerada pelos analistas políticos dinamarqueses como positiva dada a histórica parceria entre sociais-democratas e liberais.

O mandato de Thorning-Schmidt tem sido difícil desde o início. As sondagens estão em queda desde que assumiu funções em 2011, sobretudo depois de lançar várias medidas de austeridade para inverter a recessão e o desvio nas contas públicas. Desceu os impostos das empresas ao mesmo tempo que aumentou a idade de reforma e cortou nas bolsas para estudantes e nos subsídios de maternidade. Os protestos foram imediatos no país que paga os impostos mais elevados em todo o mundo (48,7% do PIB), segundo a OCDE. A economia dinamarquesa deverá crescer 1,6% este ano, quase metade do estimado na Suécia (2,3%) e Noruega (3%) e as famílias do país enfrentam uma das maiores dívidas da UE.

luis.goncalves@sol.pt