Agricultura. Alterações climáticas obrigam a antecipar vindimas

Luís Mira afirma que os agricultores se vão adaptando às novas realidades e dá, como exemplo, o caso da vinha. “As vindimas começavam em outubro, agora há quem comece em julho, não só no Alentejo mas também em outros pontos”

As chuvadas intensas que se fizeram sentir desde o início do mês não tiveram grande impacto na atividade agrícola. A explicação é simples: “Nesta altura não há culturas”, diz ao i, Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Mas reconhece que as alterações climáticas já estão a ter impacto na atividade, obrigando os agricultores a adaptarem-se a novas realidades. Um desses casos é a vinha ao obrigar a antecipar as datas de colheita.
“As vindimas começavam em outubro, agora há quem comece em julho, não só no Alentejo mas também em outros pontos”, admite o responsável, lembrando que, “no caso das uvas brancas são colhidas mais cedo e os próprios viticultores de ano para ano vão antecipando as suas datas de colheita porque a temperatura leva a um amadurecimento mais rápido. Agora começa-se a vindima quando as uvas têm um determinado grau de açúcar que é pretendido pelo enólogo para fazer esse vinho”. Uma situação que leva Luís Mira a referir que as decisões passaram a ser tomadas com base em critérios técnicos, científicos. “Não sou eu que decido quando é que começa a vindima. É quando estiver no ponto correto”.
Outra alteração que já verifica, de acordo com o mesmo, diz respeito à própria exposição das vinhas. “Antigamente a vinha era colocada mais diretamente exposta ao sol, agora provavelmente escolhe-se posições contrárias, ficando menos exposta. Isto mostra que a própria orientação das carreiras da vinha pode mudar consoante se quero mais ou menos sol”, salienta. E há outras mudanças ao referir que atualmente há variedades diferentes do que havia há 50 anos. “Vai-se procurando variedades que toleram mais este tipo de circunstâncias”, salienta.
Já quando questionado se será necessário mudar o tipo de culturas face às alterações do clima, Luís Mira Depois reconhece que vamos a assistir a alterações de algumas culturas, ao mesmo tempo que se vai melhorando outras. No entanto, chama a atenção para o facto da agricultura ser uma atividade “dinâmica e não estática”, remetendo para as declarações dos especialistas em climas. “Filipe Duarte Santos disse recentemente numa conferência que, dentro de 50 anos, as temperaturas de Beja serão iguais em Braga. Não sei se é verdade, se não é. Como também alertou para a dificuldade que irá ter o Oeste para produzir Pera Rocha dentro de 30 anos, porque para dar frutos tem de passar por um processo de temperaturas baixas e se estas não se verificarem isso reflete-se na produção”, salienta.
Uma situação que será “pior” do que a falta de chuva. “Se não tiver água ainda posso regar, mas se não tiver frio…”.
E, dá como exemplo, que as alterações climáticas já permitem ter vinha no sul de Inglaterra, uma produção que não existia. “Dizem que daqui a 30 ou 40 anos têm as condições iguais a que tinha Bordéus há 50 anos, em termos de temperatura”.

Pera abacate é usada como bode expiatório

Luís Mira afasta a ideia de que a produção da pera abacate usa água em excesso, principalmente por ser produzida no Algarve que é uma das zonas mais afetadas pela seca. “Gasta tanta água como gasta um laranjal. É exatamente igual, não há nenhuma diferença. Além disso, tem muito poucas necessidades de tratamentos, porque é uma planta muito rija e tem outra vantagem que é o facto de ter um mercado com apetência para comprar abacates. Esta campanha ou esta ideia é errada que a pera abacate gasta muita água e pensam que isto é de um país tropical, em que lá chove muito, é quem não sabe o que é que está a dizer”.
O secretário-geral da CAP diz ainda que em Espanha já se produzem muitas frutas tropicais e defende “que do ponto de vista ambiental e mesmo económico é preferível fazer pera abacate aqui ou manga no Algarve do que trazê-la de um país longínquo com toda a pegada de carbono que isso tem”. E acrescenta: “Preocupam-se com a pegada de carbono para umas coisas, mas para outras não se preocupam nada”.

Aproveitar água da chuva

Para resolver os problemas relacionados com a seca, o responsável defende que é necessário levar a cabo infraestruturas para fazer o aproveitamento da água da chuva. “Os espanhóis já fizeram isso e isto não é tirar a água aos do Norte para dar aos do interior e do Sul. A água que vai parar ao mar, nem é toda, deveria ser transportada para ser aproveitada. Não é uma ideia nova. A questão da autoestrada da água é da década de 50 ou 60, não é preciso fazer planos já estão todos feitos”, refere ao nosso jornal.
E não hesita: “Não pode haver mais Alquevas porque não há Guadianas para o fazer. O Douro tem barragem, o Tejo pode e deve ter uma intervenção, fora isso, temos de ir aos rios mais pequenos e fazer o que Espanha já fez. Há planos feitos para se fazer ligações, está tudo estudado, não é preciso mais, mas o que é preciso é atualizar esses planos com uma nova tecnologia. Portugal podia ter apostado uma parte do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] nessa resiliência para a água e não fez nada. Zero. Tem cento e tal milhões para a barragem do Pisão, ao lado de Portalegre, quando Espanha põe 25 mil milhões nessa área, isso mostra que o nosso valor é irrisório. Portugal ignorou a resiliência para a água e perdemos essa oportunidade, normalmente não temos dinheiro para fazer esse tipo de intervenções e agora que tivemos desperdiçámos a oportunidade”.
Luís Mira diz ainda que o problema “não é falta de verba. É falta de ambição. E também não é falta de água, nem precisamos dos espanhóis, ao contrário do que dizem muitos. Temos a água que cai no nosso território e tem um grande potencial para ser utilizado, o problema é que não fazemos nada por isso e depois quando o rio que vem de Espanha seca dizemos que a culpa é deles”.
Quanto às ajudas anunciadas pelo Governo para auxiliar os agricultores na seca, o responsável questiona: “Quais verbas?” e lembra que o Ministério da Agricultura revelou que iria abrir as candidaturas em novembro, mas garante que “em 2023 nenhum agricultor em Portugal recebeu um euro por causa da seca”, recordando que quando houve as inundações em Trás-os-Montes, “quem se chegou à frente rapidamente foram as câmaras”.