Alarme contra crianças esquecidas em carros

São inúmeras as mortes de crianças que ocorrem por estas terem ficado trancadas dentro de veículos. O Nascer do SOL falou com o autor de uma petição que pretende mudar esta fatalidade.

Um trágico esquecimento  no Monte da Caparica, recentemente, provocou a morte de uma bebé de 10 meses dentro de um carro. O pai é professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia e, após mais um dia de trabalho, dirigiu-se ao carro, onde infelizmente descobriu a filha inconsciente no banco de trás.

Imediatamente ligou para o número de emergência 112. Antes da chegada dos serviços de emergência (INEM), uma aluna da faculdade também tentou realizar manobras de reanimação. No entanto, a criança já estava em paragem cardiorrespiratória. A Polícia Judiciária está a investigar o caso e aguarda os resultados da autópsia para entender as circunstâncias da tragédia.

A bebé de 10 meses frequentava uma creche no campus da faculdade, que recebe os filhos dos funcionários. Após estacionar o carro, o pai esqueceu-se de tirar a filha para a deixar naquelas instalações, apenas a umas dezenas de metros.

Esta não é uma situação única, nem pouco comum. Em maio de 2021, uma criança de dois anos morreu, em Lisboa, depois de ter ficado esquecida no interior de um automóvel durante o dia. A família só se apercebeu do esquecimento à tarde e levou o bebé ao Hospital de Santa Maria, mas já não havia nada a fazer. As autoridades também investigaram as circunstâncias dessa ocorrência. A morte de bebés esquecidos em automóveis é muito frequente noutros países, como os Estados Unidos.

É precisamente para tentar evitar tragédias como estas que Fernando Lobo Pimentel, de 51 anos, criou a petição ‘Mecanismo de segurança pública contra o esquecimento de crianças no automóvel’. «Desde há muitos anos, dentro e fora de Portugal, surgem casos de cidadãos que, transportando consigo no automóvel um bebé ou filho pequeno para o levar à creche, se esquecem dele no carro, ficando a criança exposta ao risco de desidratação ao longo do dia e acabando muitas vezes por falecer», pode ler-se na petição. «Um esquecimento destes poderá acontecer a qualquer um, mas a tragédia pode e deve ser prevenida de forma socialmente solidária, não sendo justo ignorarmos esta questão como se fosse apenas da responsabilidade dos envolvidos», frisa, destacando que solicita à Assembleia da República e ao Governo «que legislem no sentido de os profissionais das creches e jardins de infância terem obrigação de contactar os encarregados de educação aquando da não comparência de qualquer das crianças a seu cargo após 60 minutos da sua hora de entrada habitual, caso tal não tenha sido previamente avisado». «Esta iniciativa de comunicação, por telefone ou com recurso a mensagem escrita, só deve ser considerada efetiva mediante a confirmação de a mesma ter sido recebida. O não cumprimento desta obrigação poderá acarretar alguma espécie de contra-ordenação para o estabelecimento de ensino ou de penalização para os envolvidos, o que é pouco face ao sofrimento que tal medida pode evitar», evidencia, realçando que «as alterações climáticas, com o consequente aumento da exposição ao calor, não permitem antecipar a redução do problema».

«Face ao exposto, as assinaturas reunidas nesta petição podem ajudar a prevenir que a situação em causa se repita. É a vida das crianças que está em jogo. E, consequentemente, também a dos pais, que poderão ser qualquer um de nós ou dos nossos conhecidos», conclui Fernando Lobo Pimentel no texto de apresentação da petição, explicando ao Nascer do SOL que a filha estuda na faculdade onde a bebé faleceu e, portanto, «chegou a casa transtornada».

A mulher «também ficou transtornada» e ele próprio, apesar de ter chegado mais tarde a casa naquele dia, não conseguiu esquecer o fatídico desfecho. «Para além de ser sensível à questão, porque acho que quase todos somos, tenho um perfil criativo. Foi assim que surgiu a ideia da petição: é a minha primeira. A minha mulher é muito cuidadosa na revisão do texto, fez alterações e fizemos tudo em conjunto. Está ali o meu nome como primeiro subscritor mas, no fundo, é um trabalho de família. Há pessoas que acham a ideia boa por ser simples. No entanto, quem trabalha na área do pré-escolar pode não achar-lhe muita piada porque isto implicaria um trabalho extra. Mas, na verdade, eu não conheço esta realidade e não sei se seria possível destacar uma pessoa para fazer dois ou três telefonemas ao fim de uma hora», adianta, constatando que não se preocupou muito «com as questões de implementação porque isso exige um trabalho feito por especialistas. Isto não foi um estudo académico: é apenas uma ideia».

«Já existem tecnologias, mas as pessoas têm de se lembrar de as comprar. E se o Estado as tornar obrigatórias… terão custos e tal pode não ser bem recebido. Há pessoas que tendem a culpar o pai, mas parece que não entendem aquilo que ele terá passado e estará a passar. Há uma linha divisória na sociedade», diz, abordando o ‘forgotten baby syndrome’, que se refere ao que acontece quando os pais deixam acidentalmente um bebé ou criança pequena num carro trancado e, muitas vezes, há resultados trágicos. É a explicação médica que descreve como um pai pode sair do carro sem pensar que o filho está no banco de trás.

Ainda não existem estudos portugueses acerca deste tema, mas, por exemplo, nos Estados Unidos, cerca de 38 crianças morrem anualmente após serem deixadas em veículos. Um estudo de incidentes brasileiros que examinou 31 casos (incluindo 21 mortes) de 2006 a 2015 descobriu que 71% dos casos envolveram o esquecimento do filho por um dos pais. Um estudo de incidentes italianos encontrou 8 mortes por hipertermia relacionadas com veículos entre 1998 e 2017. Um estudo de casos indianos encontrou 40 mortes entre 2011 e 2020. Por outro lado, um estudo de incidentes canadianos encontrou uma morte por ano.