Albano Jerónimo: “Acredito que a televisão será um objeto de decoração”

Com uma ‘inquietação artística’ fervilhante e uma vontade de comunicar superior ao resto, o ator de 41 anos não tem descanso mesmo em tempos de pandemia. Com a série The One em estreia na Netflix, Albano Jerónimo confessa que aproveitou o confinamento para se autoanalisar e reinventar.

 

O que o fez querer ser ator?

Foi uma vontade que foi crescendo. Eu estava inicialmente mais virado para ciências e biologia, comecei a fazer teatro amador aos 15 anos e aos 21 profissionalizei-me na Casa Conveniente com a Mónica Calle. O que me fez querer ser ator é aquilo que me move ainda hoje: uma paixão infinita pela palavra. Eu considero-me um ator de teatro, onde a palavra é a personagem central. Essa paixão e essa relação com a palavra é o que me tem movido – e obviamente as pessoas, mas o que está intimamente ligado à minha pele é a palavra e este diálogo permanente que é infinito.

Acredita que as pessoas nascem para fazer uma coisa ou vão adquirindo gostos?

A vida foi-me ensinando que nasceste para estar disponível e às vezes as circunstâncias da vida obrigam-te a tomar outros caminhos. Há pessoas que nascem, de facto, com uma apetência para algo, mas eu acredito muito mais no trabalho. Acho que depois de uma boa dose de trabalho vem o prazer. No meu caso, a representação foi um gosto que fui adquirindo, porque eu revejo-me é na comunicação e nas suas várias plataformas, sejam elas o teatro, o cinema ou a dar aulas. Acho que este veículo da comunicação é aquilo que me interessa verdadeiramente. Ao estar ao serviço de algo que está acima de mim, disponibilizo-me para fazer mais coisas relacionadas com a comunicação.

Está prestes a estrear a série The One, na Netflix. Esta é a sua primeira experiência com a plataforma? Como foi essa experiência?

Estou superansioso, o projeto já devia ter estreado por duas vezes, mas, devido aos tempos que estamos a viver, optaram por ser só agora. Estou ansioso e muito curioso. Fazer isto é basicamente ver a minha capacidade reconhecida noutros mercados e por outras pessoas e profissionais, isso é um estímulo brutal, porque a partir desse momento alargas o teu horizonte e as tuas perspetivas sobre o que podes vir a fazer. Já tinha sentido um pouco isso quando fiz a série Vikings na HBO e, de uma forma geral, a realidade orçamental destes projetos dá-nos uma liberdade imensa. A grande diferença que eu sinto, para os projetos de cá, é exatamente a liberdade artística, visto que, nestes casos, todas as pessoas estão contentes em todos os departamentos e, em última análise, como existe mais orçamento, cada departamento criativo – desde maquilhagem a figurinos, por exemplo – contribuí para o teu trabalho de uma forma tão intensa que, no resultado final, depois de passares por esses setores, tens um trabalho já feito e isso confere-te uma liberdade incrível. O facto de tecnicamente estar tudo mais preparado traz um estímulo e uma vontade enorme de querer fazer mais coisas lá fora.

Sem ser a questão orçamental, quais são as maiores diferenças entre produzir ficção nacional e no estrangeiro?

Baseares o teu jogo numa palavra que, apesar de ser o teu alfabeto, oralmente manifesta-se de outra forma, sendo que, ao mesmo tempo, o teu raciocínio também tem de alterar, tens de pensar em inglês ou em grego no caso dos Vikings. Tudo isto implica uma grande dose de trabalho para que consigas estar disponível para rapidamente poderes otimizar o teu cérebro para trabalhar noutra língua. Isto é mesmo um desafio brutal, porque começas a treinar para direcionar a tua intimidade e os teus sentimentos para uma outra forma de comunicar, é um desafio permanente.

Vê os projetos portugueses a ganharem cada vez mais destaque lá fora? Sim e não é de agora. O cinema português já tem um reconhecimento lá fora tal como a maneira de olhar o mundo e as coisas que a matéria prima portuguesa tem, seja pelos olhos do Gabriel Abrantes, do César Monteiro, do Manoel Oliveira ou do Tiago Guedes. Não querendo comparar, mas todos eles têm uma pertinência que é este lado latino e de ser português e de ver as coisas e as relações entre o mundo e as pessoas de maneira diferente. Acho que, de facto, isso está a ter um espaço lá fora e é cada vez mais prático um ator ir trabalhar para o estrangeiro e isso acontece através de um esforço que só o Governo é que não vê. Mas é verdade é que já há um percurso enorme feito por criadores portugueses lá fora, nas artes de palco, por exemplo, como teatro ou dança, e acredito que atualmente estamos a chegar a um ponto interessante. A malta nova está a ter oportunidade de criar um caminho lá fora e são cada vez mais. Acredito que houve uma grande consciencialização das dificuldades que temos e viramos isso a nosso favor e, neste momento, estamos nesta rampa em que pegamos em todas as dificuldades e aproveitamo-las da melhor forma possível, pondo isso nos objetos artísticos, seja um filme ou um bailado.

Portugal é uma boa escola de cultura?

Sem dúvida, nem que seja pela escassez e pela luta permanente em desenvolver trabalhos em défice. Toda essa capacidade de reinvenção permanente, mesmo com aquilo que não temos, obriga-nos a ir de encontro ao nosso corpo, que tem limites. Estar em Portugal, e estou a ser otimista com esta perspetiva como é obvio, acho que pode ser uma mais valia. Não defendo que os artistas devem criar em défice permanente, que é o que se passa neste país, mas temos de nos reinventar e nós aceitamos estas dificuldades como desafios.

O que é que The One vem acrescentar à Netflix?

Espero que venha acrescentar muito. Estamos a falar de um romance de ficção cientifica do John Marrs que foi um best-seller e, de repente, passar isso para um formato de série é interessante logo por si. Também toda a realização é inovadora e toda a trama é em volta de dois mundos distintos: um deles altamente técnico e outro mais real. O The One baseia-se neste match perfeito de ADN e a série defende que nós temos um perfect match de ADN com outra pessoa numa parte qualquer do mundo, que pode estar a fazer uma coisa completamente diferente da nossa mas que depois de a encontrarmos é esse par perfeito. Existe esta parte técnica que passa por uma parte política, que é muito interessante na série, e que mostra como toda a estrutura está acupulada ao governo e aos seus interesses, portanto acaba por servi-lo em todos os seus estratagemas, desde política internacional a guerras e organizações sociais. Por outro lado, e é aqui que eu entro, temos uma faceta mais humana, real e longe da parte técnica. Portanto, a série acrescenta toda uma diversidade temática, uma fotografia e uma realização fantásticas. A direção de fotografia está a cargo de uma mulher nova russa, que é a Anna Patarakina, que é para mim das diretoras de fotografia mais promissoras e foi um luxo e um prazer trabalhar com ela.

E a sua personagem em específico?

Eu sou o par perfeito da protagonista, um professor de surf em Tenerife que faz lá toda a sua vida, longe de qualquer gadget. Ele vem dar à série um lado mais terra-a-terra e mundano, dando-lhe um plano menos sci-fi e muito mais relacional e acho que isso é muito interessante. No fundo, acabo por ser um bocadinho engolido por esta máquina científica e política.

Já fez imensos projetos portugueses e internacionais. Gosta mais de ser o personagem principal ou o vilão?

Eu gosto de saber ocupar o meu lugar, independentemente de ser protagonista, vilão ou de ter um papel secundário. Acredito que isso seja uma grande virtude e que ser ator profissional passa mesmo por aí: saber o lugar que ocupo. Dito isto, divirto-me e tenho um enorme prazer em fazer o vilão, o galã, o protagonista, seja o que for. Há uma alegria inerente a estar aqui, ao serviço da palavra, ao olhar de um realizador, que é exatamente este trabalho constante em trabalhares o ego em prol de outro. A mim acrescenta-me imenso na minha vida pessoal, na relação com os meus amigos e tenho o luxo de poder educar-me com esta profissão nesse sentido.

Em Portugal tem-se apostado cada vez mais nas séries. Acredita que é um produto mais fácil de consumir do que as telenovelas, por exemplo?

Acredito que são produtos bem distintos, que servem públicos distintos. Portugal, a par da Roménia, é um dos poucos países que ainda tem este formato de telenovela. Isto diz muito sobre a realidade cultural e o estado das coisas nesses países. O formato de série para mim, como ator, é muito mais interessante, porque não é tao espaçado como a novela, que pode durar um ano e passas muito tempo com mesma personagem. Claro que numa longa metragem isso também pode acontecer, mas é diferente porque tens um princípio, um meio e um fim. Na novela, quase nunca sabes o que se vai desenrolar, as coisas vão se construindo. Eu acredito que o formato de série, além de ser mais interessante para mim, também o é para  o telespectador. O formato de novela tem um registo de trabalhar válido, que emprega muita gente e por si só já é uma mais valia, acho que estamos a melhorar cada vez mais nestes projetos, mas, em termos de gosto de pessoal, acredito que o futuro passe por outro tipo de formatos, como séries e telefilmes.

Disse que a existência de telenovelas diz muito sobre a cultura de um país. O que diz sobre a do nosso?

Que por exemplo, temos uma população muito envelhecida. A maioria das pessoas que acompanha este formato, em Portugal e fora, é uma franja da população muito envelhecida e, em última análise, estou a dizer que precisamos de bebés e de gente nova neste país. É um formato que teve o seu auge com o boom brasileiro que foi importado para cá e, não querendo desenvolver mais porque isto seria uma conversa longa que abordaria muitos aspetos sociais, políticos e culturais, a novela é um formato que faz companhia em casa, podemos deixar a televisão ligada enquanto fazemos outras mil coisas, um série não nos permite isso, porque é muito mais concisa. Uma novela pode ser digerida ao longo de dias e semanas e não perdemos grande coisa se não prestarmos muita atenção e há de existir sempre alguém que faça o follow up.

Acredita que as plataformas digitais vieram dar uma ajuda?

Nos tempos que correm, sem dúvida. Acho que é uma ferramenta a ser explorada, está ainda no início da sua exploração, mas é o futuro e um complemento àquilo que eu faço. Há pessoas que são atores e outras, e digo isto com todo o respeito porque existe obviamente muito trabalho por detrás de tudo isto, que são marcas. E acho que podemos encontrar um meio termo e servir ambas as coisas de forma interessante. O que quero dizer com isto? Que as plataformas e as redes dão-nos uma possibilidade, quer às marcas, quer à cultura, de chegar a mais pessoas, são veículos e montras para chegar mais longe. Acho que em tempos de pandemia, especialmente, este lado está a ser muito importante. A minha companhia, a Teatro Nacional 21, que tem 11 anos de existência, levou à cena dois espetáculos durante o confinamento, um deles feito de raiz para o online, criámos três bolsas de apoio para jovens artistas e tudo isto online. Uma vez mais, foi uma forma de dar continuidade à nossa inquietação artística e de chegar ao público.

Com a facilidade que as pessoas agora têm de aceder a serviços de streaming – além da Netflix e da HBO, a RTP criou a RTPLAY, a SIC a OPTO –, acha que a televisão está a perder a sua relevância?

É uma pergunta interessante e eu acho que sim. Acredito que a televisão, daqui a uns anos, será uma espécie de objeto de decoração. A oferta é tanta, as plataformas e dispositivos onde podes aceder também, que sinto que a televisão se diluiu. Aquela imagem que temos da família toda à volta da televisão a ver o Festival da Canção e os Jogos sem Fronteiras já lá vai. Portanto, acho interessante esta democratização da ideia do televisor, o mundo está cada vez mais plural, nós estamos cada vez mais ávidos de querer outras coisas. O televisor, como objeto em si, penso que tem de se reinventar também, se calhar o streaming é uma possibilidade e que isto seja um alerta para as televisões produzirem um conteúdo diferente e que eu tenha vontade de escolher um canal e não outro por causa dos conteúdos e não porque ‘é tudo igual’. Se esta massificação de formas de aceder à informação aconteceu, então que façamos a diferença pelo conteúdo. Talvez se a evolução das televisões e dos canais for nesse sentido, possa haver uma reviravolta interessante para o espectador.

Dentro da cultura está a ser fácil fazer essa rutura de pensamento e perceber que tem de se apostar em coisas diferentes?

Acho que há espaço para tudo. O que estamos a viver agora é uma solução de recurso porque o acontecimento teatral, por exemplo, só se dá no teatro, numa sala com pessoas. Podemos ter online como tivemos, mas é outra coisa não é teatro. Acredito que são tudo formas de colmatar o défice brutal que temos em termos de apoios, de pessoas, de salas abertas. Eu espero e desejo que a solução de recurso seja temporária e acredito que é importante darmos ao público opções: se eu quero ir ao teatro vou, se quero ir ao cinema vou, se quero ficar em casa a assistir a uma dezena de séries fico. Em última instância, estamos a dar mais opções a quem quer ver.

Se eu lhe pedisse para escolher um só projeto que o marcou, qual escolheria?

Eu gostaria de dar a resposta politicamente correta e dizer que foram todos. No entanto, tive alguns me marcaram especialmente. O Coroliano, de William Shakespeare, foi provavelmente o projeto de teatro que tive em mãos mais difícil de fazer porque o texto na integra tem 142 páginas e o Coroliano tem 92 só dele a falar; a ópera que encenei, foi a minha primeira encenação, onde peguei no Fitzcarraldo do Werner Herzog e no texto do Rodrigo Garcia Tivessem ficado em casa, seus anormais e criei uma ópera a partir dai. Tinha 24 pessoas em cena, entre músicos e bailarinos e marcou-me muito esse projeto pela relação que se estabeleceu; marcou-me A Herdade, do Tiago Guedes – houve ali qualquer coisa que, em tom de balanço, que encerrei no meu percurso; Marcam-me encontros com pessoas, com agentes internacionais, com o Pedro [Isidro, o agente], deu-me uma nova de estar e de ver as coisas e aquilo que eu faço; vou agora encenar um projeto, o Orlando, da Virgínia Wolf, tem co-produções com o Teatro Dona Maria, com o Rivoli, com Guimarães, Viseu, Viana do Castelo e tenho uma alegria imensa porque mais uma vez vou ter uma equipa de excelência. É um texto fantástico e urgente fazer. Marcou-me também um projeto que acabei há pouco tempo com o Bruno Nogueira, há anos que somos amigos e que estamos para trabalhar juntos; fizemos o Princípio, Meio e Fim, que vai estrear na SIC em março. E destaco ainda o filme que fiz com o Edgar Pêra sobre Fernando Pessoa. Fiz de Álvaro de Campos e é uma personagem que ainda hoje me inquieta. E houve um projeto que me marcou especialmente pelo autor, o Pasolini, fiz a Pocilga e, se tudo correr bem, para o ano irei fazer outro projeto do mesmo autor, a Orgia, com uma atriz que não posso revelar mas é minha amiga e uma megaprofissional. E estes projetos de que falei são apenas alguns dos que me marcaram, não só pelos projetos em si, mas pelas pessoas com quem trabalhei, elas é que me marcam e que me dão a liberdade de deixar ali um bocadinho de mim. E peço desculpa por ter referido tantos projetos, mas eu acabo por me entusiasmar. Há uma alegria latente e uma inquietação permanente nestes trabalhos, porque ainda hoje ficam em mim.

Relativamente à Herdade, foi eleito o melhor ator no festival de Dublin com esse filme. Como foi trazer esse prémio para casa?

Veio na mala. Estou a brincar, mas foi um gozo tremendo. Antes de falar sobre o prémio, gostava de falar sobre a noite de estreia, em Veneza. Ninguém te conhece de parte nenhuma, é português, a sala estava cheia e tivemos uma standing ovation (aplauso de pé) de cinco minutos e tal, foi uma enormidade. Ter essas reações de pessoas que não te conhecem de lado nenhum, não percebem português e aderem ao objeto artístico que tu levas lá, é um gozo único. O prémio é uma sequência do gozo. Vem nesta lógica de pensamento, são pessoas que nunca te viram, olham para o teu trabalho e acham que merece destaque e que devem dar um prémio ao ator que fez aquilo. Isso é brutal, é um reconhecimento que eu tomo com as devidas reservas e um estímulo para continuar, posso dizer que o prémio é um cubo de açúcar sendo eu um cavalo.

Fala com uma paixão enorme sobre aquilo que faz. É possível ser-se bom não se estando apaixonado por aquilo que está a fazer?

Eu acho possível, mas um sacrifício tremendo. Eu era bom a biologia mas eu trabalhava imenso, eu gostava mas não era como quando fui para o conservatório, aquilo é que era a minha natureza, a minha floresta. Mas acho que, aliado a uma capacidade imensa de trabalho e a alguma frustração, é possível ser-se bom numa coisa de que não se gosta, tanto que acredito que 95% da população mundial está nessa zona. Eu sou um sortudo, porque faço aquilo que amo.

Qual o palco onde se sente mais em casa?

No teatro. O teatro permite-me aprender mais. Durante os ensaios tu és obrigado a ir beber a várias coisas e isso são tempos de aprendizagem intensa, muito ávidos, em que eu tiro muito para mim. Obviamente, a  Herdade e sendo protagonista, falo em ser protagonista apenas neste sentido, porque de facto tu estás do princípio ao fim de filme, e a gestação desse trabalho é intensa e tudo isso me deu uma aprendizagem tremenda. O teatro e o cinema são sem dúvida sítios onde eu me divirto e destaco porque aprendi imenso.

Como lidou com o primeiro confinamento? Tinha casado há pouco tempo, foi difícil fazer as coisas que um recém-casado gostaria de fazer?

Foi maravilhoso, se não, não tinha casado. Mas eu acho que todos fomos obrigados a confrontar-nos com as nossas escolhas, sejam elas profissionais ou pessoais. Sinto que o confinamento serviu para nos olharmos ao espelho e nos deu tempo para pensarmos em nós. Existem muitas consequências derivadas daí, mas acho que foi uma altura para separar o trigo do joio. São momentos de escolha. Nós, como atores, estamos permanentemente em contacto com esses momentos de escolha e de decisão. Foi uma altura importante para te concentrares em voltares ao teu centro e veres o que queres ou não para ti. Foi um tempo que o universo nos deu para fazermos ‘um refresh da matéria dada’. Pelo menos eu tento levar o confinamento dentro desta lógica. Obviamente que, se me focar na escassez, na precariedade da minha profissão neste país, na quantidade de colegas meus que estão a passar por dificuldades neste momento, é deprimente. E é transversal a todos, na minha área, na vossa (jornalistas), médicos, condutores de autocarros, toda a gente. Portanto, há que encontrar um alento nesta vertigem e acho que o alento que eu encontro é virar os momentos adversos a meu favor e aproveitar o tempo para me educar. Durante o primeiro confinamento tirei cursos online, por exemplo, de línguas, otimizei-me, procurei aumentar o meu alfabeto para comunicar mais e melhor e chegar a mais pessoas. No fundo, confrontei-me e acho que essa foi a única parte ‘interessante’ do que passámos, a oportunidade que tivemos de nos confrontarmos interiormente.

Está a lidar com o segundo confinamento melhor ou pior do que com o primeiro?

Desta vez vínhamos já com alguma aprendizagem, que deu para amenizar um bocado o stresse e ansiedade. Por outro lado, também acho que este confinamento veio deitar muito mais gente abaixo, as pessoas estão cansadas, foram tolhidas já lá mesmo em baixo. A situação está cada vez mais delicada, precária e deprimente, mesmo não quero focar-me nisso. Depois disto temos de nos reencontrar algures. Se há alguma solução eu acredito que está no outro, nas pessoas, tens de recorrer ao património. O teu património é a família, os amigos, fazer novos amigos, reinventares-te e não fossilizar nesta forma de estar, porque isto vai passar. Agora, que esta situação vai mudar para sempre a forma de nos relacionarmos, a relação que temos com o online, a relação que temos com a nossa profissão, sem dúvida. Espero que estes confinamentos nos tragam aprendizagens profundas e nos remetam para a pessoa, que eu acho que isso é que importante, que nos remetam para a relação do ser humano com a natureza. É um convite a vivermos de outra forma, que este confinamento sirva para isso.

Quais os projetos que tem para o futuro próximo?

Que te possa falar, tenho duas longas metragens: uma com a Margarida Cardoso, produzida pelo Branco e outra produzida pelo Rodrigo Areias. Tenho o espetáculo Orlando, que vai ser encenado por mim, na minha estrutura, a Teatro Nacional 21. Tenho uma série com o Pedro Varela, em que não posso revelar muito, mas posso dizer que nunca foi feito nada do género cá. É um projeto que me está a dar um gozo tremendo porque tem uma perspetiva social bastante forte. Vou fazer uma série-filme, se tudo correr normalmente, no final do ano com o Tiago Guedes e acabei de fazer também com ele a primeira série portuguesa para a Netflix, chama-se Glória, vai estrear agora e é a primeira série portuguesa na plataforma na qual tenho um imenso orgulho de fazer parte. A Teatro Nacional 21 tem também sempre um trabalho paralelo muito forte desde workshops de interpretação, aulas de escrita e vamos manter essa vertente, por agora online. Há aqui todo um horizonte fértil e, portanto, vamos ver o que é possível concretizar ou não.