Alcântara-Café

Há notícias que gostaríamos de não receber. Porque nos incomodam, entristecem e deixam-nos mais vazios. Esta semana recebi uma que tem todos esses condimentos e mais alguns. O Alcântara-Café fechou as portas e daqui para a frente só reabrirá quando grupos de 50 ou mais pessoas alugarem o espaço para jantares ou festas especiais.

Não é preciso ser um especialista em economia para perceber que razões financeiras assim o determinaram. A procura abrandou e os custos mantiveram-se iguais ou aumentaram. Com pessoal, electricidade, água e, para ajudar à festa, os impostos sofreram um acréscimo fatal.

Não me recordo do primeiro jantar, mas lembro-me perfeitamente de muitos outros. Num espaço único e onde a simpatia se aliava ao profissionalismo. Certa noite fui lá com uma amiga que tinha casa em Nova Iorque e Roma e já tinha conhecido outros restaurantes em Lisboa. Quando entrou, ficou como que extasiada perante a beleza do espaço: «Vítor, destes não há muitos no mundo. Ficava bem em qualquer cidade cosmopolita e não era mais um», disse-me então.

Foram muitas as noites em que procurei aquele porto de abrigo. Fosse para jantar ou tão simplesmente para beber um copo. O sorriso da Laura e as suas gargalhadas entoavam pela sala, dando-lhe um carisma único. Há poucas semanas escrevi aqui que determinadas casas deviam ser ‘tombadas’ (ganhando um estatuto de património da cidade). O Alcântara-Café está nessa situação. Os donos garantem que o espaço não será alterado e que receberão todos os grupos que queiram lá fazer a sua festa. Já é alguma consolação, mas não será o mesmo. Esperemos pelo final da crise para saber se o restaurante abrirá de novo todos os dias, com excepção das segundas-feiras.

Antes desta notícia já oFrágil do Bairro Alto tinha anunciado, há algum tempo, a mesma estratégia. Dizem-me que outros restaurantes clássicos da cidade estão a seguir esse rumo. Só abrem com um número mínimo de clientes. Também alguns bares que serviam refeições completas estão a imitar esta filosofia.

Aquilo que pensávamos ser impossível está a tornar-se realidade. Esperemos então pelo fim da crise e pelo regresso em pleno do Alcântara-Café e de outros emblemas da cidade. Lisboa perde e muito com estas ‘paragens’.

vitor.rainho@sol.pt