Aprender a andar de bicicleta como quem aprende a conduzir

A falta de oportunidade fez com que Manuela chegasse aos 51 anos sem saber andar de bicicleta e para colmatar essa falha decidiu inscrever-se numa escola, tal como faz quem quer ter a carta de condução.

manuela cresceu em lisboa, e, naquela altura, contou à lusa, «pelo menos no bairro onde morava, não havia o hábito que há agora de se andar de bicicleta» na cidade.

há 25 anos que vive numa aldeia, em torres vedras, e lá, «praticamente todas as pessoas sabem andar de bicicleta».

só decidiu inscrever-se agora no curso da cenas a pedal, porque só agora é que teve oportunidade.

«é preciso tempo e disponibilidade, e como estou de férias aproveitei», disse numa pausa da sua primeira aula de bicicleta, no final de uma terça-feira, no jardim da estrela, em lisboa.

manuela admitiu ainda que aprender a andar de bicicleta foi um dos objectivos que definiu no seu 50.º aniversário. «quando cheguei aos 50 disse que ia fazer tudo o que não tinha feito até então», referiu.

na mesma ‘turma’ de manuela está cátia, de 28 anos, que se inscreveu na cenas a pedal por saber «zero» sobre andar de bicicleta.

«há a ideia de que toda a gente sabe andar e aprende na infância. eu não aprendi na altura, porque não se proporcionou. quando falava com amigos alguns diziam que me ensinavam, que era fácil, mas com os amigos a ensinar a pressão é diferente, para pior», confidenciou à agência lusa.

em breve, manuela e cátia serão duas das mais de 200 pessoas que já aprenderam a andar de bicicleta com a cenas pedal, uma escola, oficina, loja, ‘rent-a-bike’ [aluguer de bicicletas] e empresa de eventos e consultoria gerida por ana pereira e bruno santos.

desde 2008 até agora, foram mais mulheres, a maioria com mais de 40 anos, do que homens a recorrer às aulas daquela escola.

«não temos ideia se isso representa efectivamente a população que não sabe andar de bicicleta. se calhar os homens têm mais orgulho para conseguirem assumir que não sabem andar de bicicleta, e, talvez por isso, mais mulheres venham ter connosco», disse bruno santos à agência lusa.

o professor contou que as razões para a procura das aulas «variam bastante», mas há muitas mulheres que o fazem «porque não aprenderam quando eram mais novas, porque não ficava bem uma menina andar de bicicleta, porque era perigoso, era uma coisa de meninos».

as motivações também são variadas. «há pessoas que querem aprender para desenvolvimento pessoal, que sentem que há qualquer coisa que está a faltar na vida delas nesse campo. e há muita gente que de facto começa a pensar usar a bicicleta como meio de transporte», referiu.

para cátia e manuela, a bicicleta será para já usada em lazer. «estou com pequenas metas», referiu cátia, acrescentando que como não sabe andar «nada» ainda nem lhe passou pela cabeça passar a fazer da bicicleta meio de transporte no percurso casa-trabalho.

manuela, como gosta muito de actividades ao livre, e «por razões ambientais», vai aproveitar para poder começar a acompanhar o marido, o filho, amigos e primos nos seus passeios de «exploração da natureza».

o curso está estruturado para ter uma duração total de cerca de seis horas.

bruno santos garante que «a grande maioria, cerca de 90 por cento dos alunos, a aprende nestas seis horas».

«o nível de destreza com que ficam para manipular a bicicleta é que varia de pessoa para pessoa. depende se costumam fazer actividade física ou não, mas também tem muito que ver com psicologia: ganhar confiança, sentir-se à vontade», referiu.

a formação começa no atelier da cenas a pedal, situado na avenida de álvares cabral, onde os alunos têm um primeiro contacto com a bicicleta.

para cátia, foi «esquisito». «quando a vi tive a sensação de que era um monstro. mas serviu para um primeiro contacto», disse.

a aula segue no jardim da estrela, onde as primeiras horas servem para treinar o equilíbrio, e, como tal, as bicicletas não têm pedais.

manuela confessa ter pensado que os primeiros momentos fossem «piores». «achava que não ia sequer conseguir sentar-me em cima da bicicleta, mas pelo menos sentar-me em cima dela e fazê-la deslizar sem pedalar consigo», disse.

ser adulto e assumir-se que não se sabe andar de bicicleta não é fácil, prova disso foi a recusa de alguns alunos em darem à lusa os seus testemunhos.

«sentia algum constrangimento, porque a reacção dos outros é de muito espanto. acho até que a reacção dos outros é que constrange», contou cátia.

manuela deixa um recado: «quero aprender e não sinto vergonha por não saber. acho que enquanto temos vida e somos vivos, qualquer altura é boa para aprender».