Autoritarismo digital – Eixo Havana-Pequim

A relação Pequim-Havana nem sempre foi assim. No tempo da URSS, Mao acusou Castro de “revisionista” e Castro, na oração fúnebre pelo Grande Timoneiro chinês, foi dizendo que ele destruíra “com os pés, o que tinha construído com a cabeça”.

por R.V

Quando, há um mês, eclodiram em Cuba manifestações populares anti-regime, as maiores em quase trinta anos, o governo comunista respondeu cortando os serviços da Internet dentro e para fora da ilha; assim as autoridades conseguiram evitar a comunicação interna dos protestos e não permitir que continuassem as imagens e relatos para o exterior.

Tal foi possível, como revelou o Senador Marco Rubio, republicano da Flórida, graças ao sistema de comunicações, cuja tecnologia é de origem chinesa. Com efeito, a única companhia cubana com serviços de Internet, a Etecsa, tem como fornecedores primários as companhias chinesas Huawei, ZTE e TP-link.

O regime cubano é hoje em dia, um dos regimes com melhores relações com Pequim, gozando mesmo da classificação top nas relações externas da RPC – “bom Irmão, bom Camarada, bom Amigo”. Note-se que na América Latina estão os países mais populosos entre aqueles que ainda reconhecem Taiwan, como a Guatemala, o Haiti, as Honduras, o Paraguai e a Nicarágua.

Cuba está à frente do elenco dos amigos de Pequim, mesmo das “parcerias amigas para o Desenvolvimento Comum” (assim os chineses qualificam a relação com a Jamaica) e das Parcerias Compreensivas e Cooperativas para o Respeito Mútuo, Igualdade, Mútuo Benefício e Desenvolvimento Comum (é a longa designação da relação com Trindade e Tobago).

A relação Pequim-Havana nem sempre foi assim. No tempo da URSS, Mao acusou Castro de “revisionista” e Castro, na oração fúnebre pelo Grande Timoneiro chinês, foi dizendo que ele destruíra “com os pés, o que tinha construído com a cabeça”.

Mas a partir do fim da União Soviética, as relações entre os dois países comunistas intensificaram-se, com muitas visitas cruzadas, numa linha assente na identidade ideológica, pelo menos teórica; e pela situação geoestratégica de Cuba, nas Caraíbas e às portas da Flórida, que recebeu investimentos estratégicos chineses nas minas e na energia. E desde 2018 que Cuba se integrou nas Rotas da Seda. Há também presença cultural, através dos Institutos Confúcio e estreitas relações no campo militar.

Daí, das afinidades ideológicas e do anti-americanismo comum, que não sejam de estranhar as estreitas ligações no campo das telecomunicações entre os dois Estados, e que levou a que sejam as referidas companhias chinesas – Huawei, ZTEe TP-link – integrados na vasta rede de “autoritarismo digital” que a China de Xi Jinping tem criado e exportado para regimes afim de controlar o espaço digital, usando processos de inteligência artificial. Este é muito útil para regimes esquerdistas e repressivos – como Cuba, a Venezuela e a Bolívia, mas que querem evitar a repressão nas formas clássicas e policiais da prisão e da violência física.

A censura e o controle das redes digitais, a sinalização dos independentes ou dissidentes, a imposição de um terror manso e dissuasor, parecem métodos muito mais indicados e que o Partido Comunista Chinês tem usado com grande eficácia em relação à sua própria população.

Nesse sentido, e considerando a vaga de mudança, para a esquerda, que vem percorrendo a América Latina, e a proximidade geográfica de Cuba aos Estados Unidos, parece fazer todo o sentido esta grande amizade e aproximação dos dois regimes e que sejam bons irmãos, amigos e camaradas. E a indústria das telecomunicações é uma área em que o avanço chinês é conhecido e reconhecido, enquanto a América Latina é hoje uma área vulnerável, politicamente, ao anti-americanismo ideológico e por isso um terreno fértil para a penetração chinesa.