tem quase um século de vida e localiza-se em alcântara, lisboa. como muitos outros edifícios centenários, este não foge a um padrão comum da capital portuguesa. com rendas antigas e a passagem de diversos proprietários, a degradação foi-se instalando. quando, em 2009, a jovem madalena nascimento, de 23 anos, recebeu o imóvel de herança ficou feliz e fez um projecto de reabilitação com um amigo arquitecto.
mas, pouco tempo depois, este sonho transformou-se num pesadelo. as despesas fiscais e de manutenção inerentes ao imóvel tornaram-se incomportáveis, segundo relata a própria. na altura que fez a transmissão do prédio para o seu nome, preencheu o modelo i do imposto municipal de imóveis (imi), descrevendo o imóvel, permilagens, áreas, elementos de qualidade e de conforto, com anexo de plantas de localização. sendo um prédio com quase 100 anos, que nunca foi alvo de obras, não teve nada a declarar de elementos de qualidade.
a surpresa chegou, este ano, quando a jovem se deslocou às finanças para fazer nova reavaliação e se deparou com uma situação caricata. numa das fracções estava descrito que tinha piscina colectiva, garagem colectiva, sistema central de climatização, outros equipamentos de lazer e localização em condomínio fechado. «no modelo i, realizado em 2008, não se fez referência a nenhum destes elementos, pois eles não existem», refere madalena, dando ainda nota de que chove dentro do prédio e de algumas fracções, as escadas estão a cair, há muitas infiltrações, os pavimentos têm buracos, as canalizações são antigas, não há luz na escada, as casas-de-banho foram construídas posteriormente, e grande parte das fracções já está até devoluta, porque não há condições de habitabilidade.
madalena diz que se sentiu enganada, uma vez que andou a pagar um imi que não correspondia à realidade. além do erro cometido, afirma que o mais estranho é não saber como e quem fez a reavaliação. «nunca vi um perito a entrar no meu prédio para fazer avaliação, nem nunca me foi pedida qualquer ida», salienta.
este caso será semelhante a tantos outros que estão a acontecer pelo país e serão muitos a questionar: quem, como e quando se faz a avaliação? com o novo regime do imi é necessária uma nova avaliação dos imóveis em portugal. e o governo, para cumprir o memorando da troika, pede aceleração nas avaliações. mas a que custo?
muitos peritos com pouca formação para avaliar
ramiro gomes, presidente da associação nacional dos avaliadores imobiliários, garante que há muita coisa errada e que o problema é complexo. admite mesmo que muitos peritos têm pouca, ou nenhuma, formação para avaliar. e diz que este é um problema que vem do passado. «as avaliações eram mal feitas, as instituições favoreciam-nas e depois caiu-se num facilitismo, por causa dos incentivos ao crédito de habitação. agora com a reavaliação vai existir muita injustiça», adianta. ramiro gomes afirma, porém, que não gosta só de se lamentar, sabe que o mal já está feito, afirmando que agora «o importante é apostar na qualidade do futuro».
o responsável reconhece, ainda, que o trabalho do avaliador não é fácil. por vezes, quando vão fazer uma avaliação, muitos técnicos não levam todos os dados, porque as finanças, os proprietários e os próprios bancos não os fornecem. muito se tem falado sobre a exclusiva utilização do google earth nas avaliações, mas segundo ramiro gomes esta é uma ferramenta que ajuda, mas nunca poderá ser a única.
para este processo de avaliações, o estado também recorreu às ordens dos arquitectos (oa) e dos engenheiros (oe). de acordo com o pelouro profissão do conselho directivo nacional da ordem dos arquitectos, contactado pelo sol, tanto a oa como a oe procuraram sensibilizar o governo para a necessidade de correcção de alguns aspectos do processo em curso para a avaliação geral dos prédios urbanos, promovida pela autoridade tributária e aduaneira, muito em particular a urgente revisão da respectiva tabela de remuneração dos peritos avaliadores.
avaliações mal feitas podem prejudicar o mercado
dada a relatada posição irredutível manifestada pelo secretário de estado dos assuntos fiscais a este respeito, as ordens afirmam que a prevista depreciação em 67% para a remuneração dos peritos envolvidos é tão desadequada, face ao trabalho e à responsabilidade pedida, quanto lesiva para a dignidade profissional dos mesmos – os valores variam entre 91 cêntimos e 5,5 euros por casa.
«esta situação é grave», na opinião da ao, porque põe em causa a celeridade das avaliações nos prazos estabelecidos pelo governo e a garantia de exigência, rigor e qualidade neste processo.
também luís lima, presidente da associação dos profissionais e empresas de mediação imobiliária de portugal (apemip), admite que existem erros nos processos de avaliação dos imóveis, mas não coloca em causa o rigor de um processo que é levado a cabo pelo estado.
«penso que, se estes erros forem identificados e devidamente denunciados, o estado irá corrigi-los», esclarece. o responsável assegura mesmo que se a avaliação de um imóvel não for feita adequadamente está a prejudicar o mercado imobiliário, pois estará a ser atribuído um valor incorrecto ao património nacional.
apesar de toda a polémica, o responsável diz não ter dúvidas de que a avaliação de imóveis «é necessária». e aconselha todas as pessoas que se apercebam de situações incorrectas, ou que discordem da avaliação levada a cabo, a apresentar uma reclamação, contestando a avaliação feita. «o prazo para apresentar uma reclamação é, porém, muito curto, e grande parte das pessoas não vai a tempo. seria importante que este prazo para reclamação fosse eliminado, permitindo que as pessoas possam reclamar sempre que identificarem erros na avaliação do seu imóvel», defende luís lima.