Avis: ‘Aqui o PCP sempre cuidou de nós’

Na sala interior de paredes desbotadas, cravada de azulejos, Senhorinha Ferreira quase não chega ao balcão. “Sou pequenina mas rija”, diz a alentejana de 78 anos, que está atrás do bar da Associação de Reformados e Pensionistas de Avis, no centro histórico da vila alentejana, onde os mais velhos se juntam para lanchar, jogar às…

Começou aos 12 anos na Herdade de Camões, uma das grandes propriedades do concelho do Alto Alentejo, onde o latifúndio se estende por milhares de hectares. E foi nessas mesmas terras que continuou “a ceifar debaixo do calor e a apanhar azeitona debaixo de chuva” quando a herdade foi ocupada pelos trabalhadores e expropriada em 1975.

Como muitos no concelho, é com orgulho que recorda o tempo em que fez parte de uma das mais emblemáticas cooperativas da reforma agrária no período revolucionário, a 1.º de Maio: “Havia sempre trabalho, a terra não era de ninguém”. E como a maioria da população de Avis, desde então e até hoje Senhorinha Ferreira vota no PCP: “Havia então de votar em quem?”.

São votos como o seu que fazem de Avis um caso raro no país. No concelho envelhecido de pouco mais de 4.500 habitantes, os comunistas ganham todas as eleições desde 1976, sejam elas legislativas, autárquicas, presidenciais e europeias. Na votação de dia 4, a CDU obteve 40,2% dos votos, um resultado muito superior ao alcançado a nível nacional pela coligação que  une os comunistas e Os Verdes, que se ficou pelos 8, 25%.

E se mesmo com votações esmagadoras em Avis o distrito de Portalegre não elege um deputado do PCP desde 1987, o atual cenário político promete baralhar mais as contas. Pela primeira vez, uma união histórica com os socialistas pode trazer o “partido dos trabalhadores” para uma solução de Governo nacional.

O grande empregador

Belmira Rosa, de 70 anos, sempre foi comunista. É uma herança familiar deixada pelos pais, quando o partido ainda vivia na clandestinidade. “Sofremos muito no tempo do outro senhor e o PCP sempre cuidou de nós”, explica a emigrante reformada.

Voltou para a vila há 12 anos com a família, depois de 17 emigrada no Luxemburgo. O único filho, de 48 anos, continua desempregado. É a câmara de Avis que lhe tem “valido”, garantindo-lhe trabalhos provisórios. “Esteve agora nove meses na limpeza das ruas”, explica a voluntária na Associação dos Reformados, que também funciona graças aos apoios da autarquia que garante o pagamento da renda, da água e da luz.

Na região, “a câmara comunista foi sempre o grande empregador e dá apoio os habitantes, que têm escola de música gratuita ou a escola de teatro”, resume Isabel Simões Duarte, 68 anos, que desafiou a chuva que não para de cair para beber um café na associação. “O PCP e a autarquia têm um elo muito forte e enquanto a CDU apresentar pessoas com carisma e próximas da população continuará a ganhar tudo”, acredita a lisboeta, que veio de Lisboa para Avis há mais de 40 anos e foi vista na terra “como a fascista, porque vinha de fora e tinha dinheiro”.

A câmara e o partido têm aqui uma ligação quase umbilical. Confundem-se. “A posição que o PCP alcançou está claramente ligada à gestão municipal e à empregabilidade”, reforça o deputado municipal do PSD, Joaquim Grilo.

Com o fecho de quase todas as cooperativas da região na década de 1980, da fábrica do leite, de tomate ou dos têxteis, o município apostou forte no combate ao desemprego. A câmara dá diretamente trabalho a cerca de 170 pessoas, o que faz dela o segundo maior empregador do concelho, a seguir à fábrica de vegetais congelados da Dartico. É ela que garante o abastecimento de água do depósito até à canalização doméstica, faz o saneamento, a limpeza urbana e a remoção do lixo, gere os edifícios museológicos e culturais do centro histórico e o parque de campismo junto à barragem do Maranhão, com capacidade para mais de 520 pessoas, que se enche no Verão ou na passagem de ano.

A estes juntam-se outros apoios indiretos. “Nos últimos 20 anos não há equipamento social no concelho que não tenha sido apoiado pelo município”, garante o antigo autarca comunista Manuel Coelho, 48 anos, que hoje preside à Assembleia Municipal de Avis, numa referência às creches, lares, atividades e serviços culturais que têm protocolos com a autarquia. “O poder central esqueceu-se do interior mas o PCP esteve sempre aqui”, explica o membro do comité central.

Para Isabel e Senhorinha os comunistas têm ajudado a combater o desemprego em Avis, onde a câmara é o segundo maior empregador do concelho

De militante do PSD para as listas comunistas

O presidente da câmara Nuno Silva ainda não parou. O sábado de chuva começou logo às 10h com a abertura de um encontro de agricultura, seguindo depois para a freguesia vizinha de Figueira e Barros, onde ao meio dia foi almoçar com os idosos da associação de reformados. Dali seguiu para o encontro anual dos antigos alunos da Escola Profissional Professor Abreu Calado, a única no concelho que dá equivalência ao 12.º ano e ao qual faz questão de não faltar. “Em Avis a câmara está ao serviço todos os dias: é de segunda a segunda”, diz.

A população conhece-o bem. Além de ser filho da terra, o autarca é psicólogo clínico e bombeiro voluntário fazendo serviço uma vez por mês nas ambulâncias de emergência médica.

A esta hegemonia ninguém parece conseguir escapar. Anabela Calhau Pires, de 42 anos, já foi militante social-democrata e trabalhou com Santana Lopes na câmara da Figueira. É hoje presidente da Junta de Freguesia de Avis, onde já foi eleita duas vezes como independente nas listas da CDU. “A minha militância no PSD nunca foi uma militância de ideais”, justifica. “O PCP tem-se assumido como o partido dos mais desfavorecidos e tem feito a diferença”.

Anabela diz que mesmo com menos recursos se tem conseguido fazer muito pela região. “Não são apenas medidas para idosos. São também os mais novos que têm apoios específicos”, garante. Aqui todas as crianças têm livros gratuitos até ao 4.º ano e todos os anos são dadas 15 bolsas de estudo para o secundário e o ensino superior, exemplifica.

Senhorinha Ferreira acredita que em Avis “a câmara tem feito o que pode, mesmo que agora haja menos trabalho para dar”. A reforma dos jardins da vila também a deixa desconsolada: “tinha fontes em pedra, tiraram tudo e puseram latão”.

joana.f.costa@sol.pt