Axilas: o último desejo de Fonseca e Costa foi pôr-nos a rir

Lázaro de Jesus vivia na cabeça de José Fonseca e Costa desde que o cineasta leu Axilas, um dos contos reunidos em Axilas & outras histórias indecorosas. Fonseca e Costa acabaria por adaptar a história de Rubem Fonseca naquele que viria a ser o seu último filme, que chega às salas seis meses após a…

«A morte encontrou-o quando ele estava a fazer o que realmente gostava: a filmar. Literalmente», diz ao SOL Paulo Milhomens, que chegou ao filme para o montar e acabou por realizar o que faltava, depois de o produtor, Paulo Branco, ter tomado a decisão de o terminar. Quando a 1 de novembro o cineasta morreu vítima de uma pneumonia, aos 82 anos, Axilas ia a dois terços. Para trás estavam sete semanas de rodagem. 

«Eu já tinha montado e visto muitas coisas com ele, que ia acompanhando também o processo de montagem, embora estivesse já bastante debilitado pela doença, apesar de totalmente lúcido». Depois da decisão de terminar o filme, Milhomens reuniu-se com Mário Botequilha (que tinha escrito o argumento com o realizador) e com Pedro Matos, assistente de realização. «Juntos fizemos um plano com as cenas absolutamente indispensáveis do argumento para concluir o filme e depois tive uma semana e meia, ou menos que isso, para filmar tudo o que era preciso. Acabei por assumir a realização dessas cenas que faltavam e, claro, a montagem do filme», revela Milhomens. 

Assim nasceu Axilas, um «encontro de Fonsecas», como o descreve o montador-realizador, pela «irreverência e inconformismo» que unem a obra do cineasta português à do escritor brasileiro.

O que une e o que separa então uma coisa da outra? Entre o conto e o filme «há enormes diferenças e extraordinárias semelhanças». Isto porque a personagem que Fonseca e Costa tinha há tanto tempo em mente é o que vemos em toda a primeira parte do filme, com o contexto da história da vida, a família e os amigos, de Lázaro de Jesus (e as excelentes interpretações de Pedro Lacerda e de Elisa Lisboa, a Avó), para nos últimos 30 minutos de filme vermos emergir por fim o conto de Rubem Fonseca, que de qualquer forma já lá tinha estado no início: «Eu ainda não sabia o seu nome, que depois descobri ser Maria Pia […]. Maria Pia era fina, toda ela, eu sabia, desde o início, vendo-lhe apenas os braços. E quando ela deu-lhes movimento, pude ver parte da sua axila» é um excerto que tanto podia ter sido retirado da sinopse do livro como do início do filme, que de qualquer modo transporta a história do Rio de Janeiro para Lisboa.
Axilas, um conto muito curto, «seis ou sete páginas», como todos os do escritor brasileiro, «muito reduzidos ao osso, sem floreados, muito sintético e aliás muito duro», deu afinal um filme que é muito sobre Lisboa e sobre o país, com personagens como Maldonado – «quando o conheceres começas a confessar-te todos os dias», avisa a Avó – por vezes mencionado como «dono disto tudo», a lembrar-nos um passado muito recente. «É a conjugação dessas duas forças que constrói o filme», dizMilhomens, que recorda Fonseca e Costa como um grande admirador de Rubem Fonseca: «Achava-o um dos grandes escritores da língua portuguesa».

Tinha sido há dez anos Viúva Rica Solteira Não Fica, oúltimo filme de José Fonseca e Costa, um dos nomes que marcaram a história do cinema português (basta pensar em Os Demónios de Alcácer Quibir, de 1976, o primeiro filme português na Quinzena dos Realizadores em Cannes, ou nas memórias que nos devolve em Kilas, o Mau da Fita).
Axilas foi o seu «último sonho», disse Paulo Branco perante a plateia que praticamente encheu o grande auditório da Gulbenkian para assistir à antestreia, numa homenagem ao cineasta.

Plateia que, apesar das circunstâncias, se riu do princípio ao fim do filme. «Tenho a certeza que o José Fonseca e Costa ia ficar contente porque este filme é uma comédia. Foi uma decisão muito forte, de algum modo ele sabia que este seria o seu último filme e decidiu pôr as pessoas a rir», afirma. «Posso dizer-lhe até que na nota de intenções do filme ele fala literalmente em ‘rir na cara da morte’». Uma frase que podia muito bem ter sido escrita por Rubem Fonseca.