Benedita Pereira: “Fui feita para ser uma mãe trabalhadora”

Benedita Pereira tem 35 anos e, desde que se recorda, considera-se uma pessoa extrovertida, que gosta de ‘fazer sotaques’ e ‘posar para a câmara’. Bem disposta, gosta de revelar o seu lado mais cómico nos projetos que abraça, apesar de acreditar que as mulheres ainda tem um longo caminho a percorrer na comédia portuguesa.

Queres ser atriz desde criança. As expectativas que tinhas na altura foram de encontro ao que estás a viver agora?

Não, não tem nada a ver. A nossa ideia de ser ator em criança, pelo menos a minha, flutua imenso. Houve uma altura em que eu achava que ser ator era ser comediante e fazer sketches, que teatro era teatro de revista, porque foi a primeira coisa que vi. Também houve uma altura em que estive numa escola de Ballet Teatro, no Porto, que era uma coisa muito avant-garde, e portanto a minha visão do teatro flutuou imenso. Eu sabia que era aquilo que queria fazer, mas sabia lá o que é que isto significava.

Numa entrevista, disseste que, nessa altura, ser atriz era basicamente teatro. Agora que fazes outras coisas, mudaste a tua maneira de ver a representação?

Sim, claro. Para mim, ser atriz era aquilo que eu sabia através da Escola de Teatro, era muito pequenina. Depois, mais tarde, começaram a vir as novelas feitas em Portugal e eu comecei a pensar: ‘Ah uau, isto também é fixe’. Ainda bem que esta profissão é diversificada porque eu adoro fazer teatro, cinema, televisão e aquilo que tenho tentado fazer ao longo da minha carreira é também diversificar e não estar só agarrada a um género específico. Por isso, ainda bem que ser atriz não é só fazer teatro apesar de eu adorar.

Tinhas cerca de 18 anos quanto vieste para Lisboa fazer os Morangos com Açúcar. Sendo do Porto, como é que foi a reação dos teus pais ao ires para longe de casa e embarcares de cabeça num projeto?

Eles já estavam à espera. Não estavam à espera que eu fosse protagonista de uma série ou de uma novela, mas eu já lhes tinha dito que queria vir para Lisboa estudar teatro, porque, na altura, no Porto, não existiam as hipóteses que existem agora e eu levava muito a sério o que eu queria fazer, era muito ambiciosa. O facto de ter vindo fazer os Morangos com Açúcar só acelerou esse processo, tendo acabado por não me candidatar a escola nenhuma e ter vindo simplesmente trabalhar. Este lado foi ainda melhor para os meus pais porque, apesar de eles sempre me terem apoiado muito, tinham algum medo da precariedade associada a esta profissão, principalmente no que toca ao teatro. A minha mãe avisava-me imensas vezes relativamente a isso e eu dizia que não me importava e que, mesmo que fosse pobrezinha, estava tudo bem. A minha mãe, inclusive, veio comigo para Lisboa nas primeiras duas ou três semanas mas, a certa altura, teve de me deixar viver e confiar em mim.

Em criança diziam te que tinhas jeito para a comunicação ou eras uma menina mais caladinha?

Eu acho que tinha jeito para a comunicação, por exemplo, quando íamos de férias e havia uma câmara de filmar, eu ficava sempre a fazer qualquer coisa para a câmara e estava sempre em pose. A minha irmã também organizava pecinhas de teatro nas férias e eu era a mais pequenina e a que mais se destacava. Também sempre gostei de imitar pessoas e a minha mãe, às vezes, até tinha medo porque eu imitava um sotaque mais carregado do Porto e ela achava que eu ia ficar a falar assim.

Foste a personagem principal da primeira temporada de uma série que acabou por marcar gerações. Como é que surgiu essa oportunidade?

Foi através de vários castings, visto que eu já estava na base de dados. Através da minha ambição ia a várias open calls e houve, numa certa altura, uma série de castings quase seguidos, aos quais eu fui e nem sequer sabia para o que era, muito menos que ia ser protagonista.

Quando entraste para os Morangos com Açúcar tinhas ideia de que ia explodir como explodiu?

Não, antes pelo contrário, havia muita gente cética em relação aquele formato e havia quem, inclusive, dissesse que aquilo só ia durar seis meses e depois ia ser cancelado. Porque, normalmente, o mínimo das gravações são seis meses e depois vai-se comprando episódios, portanto se fosse mesmo só seis meses significava que aquilo era muito mau. Havia comentários desse tipo e o medo de se fazer pela primeira vez um projeto em que os protagonistas eram jovens porque, apesar de existirem várias personagens jovens noutras novelas, esta era praticamente a primeira em que todo o elenco era jovem. Nós éramos quase todos muito novos e inexperientes e, por isso, não existiu, de todo, a sensação de que aquilo ia correr super bem e quando correu, foi um espanto mas também não nos subiu à cabeça porque nos estávamos a divertir.

Como é que lidaste com ficar tão conhecida num curto espaço de tempo? Eras uma adolescente, isso subiu-te à cabeça?

No início não tive muita noção, nós trabalhávamos seis dias por semana, então quando eu saía e via que alguém estava a olhar para mim achava que era porque se passava qualquer coisa com o meu cabelo ou tinha uma nódoa na camisa ou assim. Depois começou a ser um bocadinho mais complicado, especialmente naquelas situações em que havia grupos de miúdos, eu não lidava muito bem com isso, com esse assédio, chegarem ao pé de mim e dizerem-me coisas, era estranho para mim. Depois, aquilo aconteceu na altura dos paparazzis e num momento em que a imprensa cor-de-rosa estava muito forte e foi, de facto, estranho. Mas, de certa forma, acho que consegui passar entre os pingos da chuva e manter os pés na terra sem me deixar abalar muito, aprendi rápido a desvalorizar muitas coisas e a valorizar a parte boa, que é as pessoas gostarem de nós.

Os adolescentes estiveram sempre muito atentos à série, especialmente quando apareceu. Fazendo parte do casal protagonista (a Joana e o Pipo), sentiste alguma pressão para te dares bem com o João Catarré fora da série de modo a ‘manter a imagem’?

De todo, tanto porque não acho nada que a relação deles fosse perfeita, estava sempre tudo a dar errado, tudo lhes aconteceu. Entre nós, não só eu e o João mas todo o elenco, estávamos sempre genuinamente muito divertidos e a dar tudo para fazer o melhor que podíamos, tanto para fazer um bom trabalho como para fomentar uma amizade que existe até hoje. O importante éramos nós e que fizéssemos um bom trabalho, claro que nos preocupávamos se as pessoas gostavam, mas nunca sentimos a pressão de ser um exemplo. Esse exemplo veio um bocadinho mais tarde, ao sentir que tinha muitos miúdos a olhar para mim e aí, sim, pensava: ‘Não convém verem-me a fazer asneiras ou a dizer alguma coisa errada’. Há, de facto, um sentido de responsabilidade em relação à juventude que olha para ti como um ídolo, tens de ter essa noção.

Depois de teres feito esse projeto foste para Nova Iorque. O que te fez querer sair de Portugal?

Eu sempre tive essa vontade de sair daqui e acreditava que ia acabar por ir estudar para fora, a certa altura. Comecei a trabalhar muito cedo e não tive essa oportunidade, mas essa ideia ficou e, depois de uns anos a trabalhar de seguida cá em Portugal, decidi fazer isso por mim, tanto que veio um convite de trabalho e eu recusei porque sabia se não fosse naquela altura já não ia mais. Eu senti essa vontade de ir para uma escola onde ninguém me conhecesse de lado porque, quando uma pessoa começa a trabalhar muito cedo, conhecem-nos e passamos a sentir que não podes dar um passo um falso. Senti que queria muito integrar um ambiente escolar já adulta e estudar a história do teatro, fazer personagens que, provavelmente, nunca vou ter hipótese de fazer em ambiente de trabalho e ter a oportunidade de assistir e fazer peças diferentes. Depois acho que acabei por gostar demasiado e fui ficando porque senti que tinha muito mais por aprender. Tenho uma grande ambição aliada a uma vontade de ser melhor nesta arte do teatro… E encontrei ali o meu espaço para experimentar, absorver e pesquisar.

Que aprendizagens retiraste desses anos fora, tanto para a carreira como atriz como para a vida?

Esta pergunta dava para ter uma conversa de meia hora. As nossas experiências fazem-nos as pessoas que somos. Foi incrível como atriz porque trabalhei com muitas pessoas de culturas diferentes e que falavam outras línguas, estudei em escolas às quais não teria acesso cá em Portugal, pelo menos na altura, desafiei-me imenso porque tive de perceber quem eu era em inglês, foi todo um novo mundo. Desafiei-me a tentar ter o sotaque americano e depois tentei aperfeiçoar outros sotaques. Pelo lado pessoal, descobri que Nova Iorque era uma cidade muito difícil, com um mercado muito difícil, e descobri em mim força, coragem e resiliência que, provavelmente, não teria se não tivesse passado por aquilo e se não tivesse visto as pessoas à minha volta a passar pelo mesmo. Porque quando lá estás, apercebes-te que não estás sozinha e não pensas ‘coitadinha de mim’ porque está um batalhão de pessoas na mesma situação. Ajudou-me a saber colocar as coisas em perspetiva e a ganhar uma maior noção da sorte que tenho em ter tido esta carreira e em ter começado a trabalhar tão cedo. Aprendi sobre várias culturas e várias religiões, aprendi sobre tantas coisas importantes que serviram tanto para a minha vida pessoal e para me tornar melhor pessoa, como também para ser melhor atriz porque ser artista é isto mesmo: ter um certo olhar sobre as pessoas e ter empatia. Ainda bem que passei por isso.

Tu acabaste por ficar lá 7 anos. O que te fez pensar ‘Já chega, vou voltar para casa’?

Foi um projeto e o momento em que eu estava. Já tinha passado por muitas coisas, por algumas desilusões, chegar perto de trabalhos que podiam mudar a minha vida e, por uma fração de segundo, não acontecem, mas ao mesmo tempo são esses ‘quase-quase’ que dão alento para continuar. No entanto, chegou a uma altura em que eu já queria muito trabalhar, não queria estar só a estudar e a fazer audições. Lembro-me de pensar que queria mergulhar numa personagem durante um tempo e só pensar nela, porque eu estava na escola e fazia uma personagem, ia a audições e fazia outra e chegou a uma altura em que já estava muito dispersa. Apareceu o projeto certo, fazia-me falta e posso dizer que vim para cá por causa de um conjunto de fatores muitos felizes que se alinharam numa altura em que eu estava aberta para tal, porque houve outras alturas em que eu recebi propostas de Portugal e não aceitei porque achava que estava lá na minha missão. Foi uma conjuntura feliz.

És uma pessoa muito bem disposta e já fizeste vários programas onde mostravas essa faceta como o Sim, Chef! ou o LipSync Battle. Gostas de encarnar esse lado pessoal e explorá-lo nos trabalhos? Claro. Quando veem coisas de comédia e para entreter, tenho muito prazer em fazer, também porque são as minhas referências desde miúda e coisas que eu gosto de ver. Acho que é muito difícil de fazer bem, mas adoro divertir-me enquanto as estou a fazer. O LipSync, por exemplo, é uma coisa que eu já faço nas minhas festas de anos e que gosto e, se é para fazer, é para fazer a sério. Ou seja, não acho que para ser a sério tenha de estar carrancuda, como é óbvio, mas é para treinar e para fazer bem e divertir-me, tal como na nossa profissão. Representar é trabalhar, trabalhar, trabalhar, para depois, quando estamos a fazer a cena, estarmos libertos e divertidos. O Sim, Chef! também foi muito divertido e eu quero muito fazer mais comédia. Tenho tido a sorte de ter a oportunidade de fazer comédia, tanto na televisão, como no teatro e no cinema e é mesmo uma coisa que quero fazer mais. Não quero fazer só isso, até porque eu gosto desta diversidade. Mas eu sinto que, de certa forma, se entro para um projeto é para tudo e trabalhar, mas também divertir-me muito e também, espero, que toda a gente à minha volta esteja muito divertida. Não sei porquê mas eu tenho a sensação de que sou responsável pela diversão de toda a gente que me rodeia, não faz sentido porque é óbvio que eu não posso ser responsável por isso, mas eu gosto de criar esse ambiente.

O mundo da comédia ainda é um bocadinho dominado pelos homens, pelo menos em Portugal. Porque é que achas que isso acontece?

No meio de tanta coisa que é dominada pelos homens… Infelizmente, isso é uma coisa que não acontece só na comédia, que tem vindo a melhorar lá fora, nomeadamente nos Estados Unidos, e espero que nós consigamos ir atrás da maré. Normalmente, a comédia é algo que requer muita prática e para as mulheres é mais ingrato porque existe sempre um olho mais crítico, os comentários que se fazem são mais agressivos e mais dolorosos e acredito que, por vezes, pode existir um medo por parte das mulheres de se exporem. Precisamos de ser mais gentis, estamos numa época em que está toda a gente muito assanhada. Mas relativamente ao facto de existirem menos mulheres na comédia, acho que é por causa disso, porque existem mulheres muito talentosas, inclusivamente a escrever para homens. Em relação aos sketches, vemos o número de mulheres a aumentar. Por exemplo, na trupe do Herman temos a Joana Pais de Brito e a Gabriela Barros, que se juntam à Maria Rueff e à Ana Bola. No stand-up, acho que ainda temos um grande caminho a percorrer.

Sentes que é preciso uma mulher esforçar-se em dobro para conseguir ter sucesso nesse campo?

Sim, sem dúvida, nisso e em tudo. Porque olha-se para a mulher e mandam-se aquelas bocas: ‘Olha a outra, olha aquela que é mandona, olha que subiu e não deve ter sido por motivos muito próprios, olha a outra com a mania’. Por outro lado, também estamos muito numa fase do politicamente correto, em que nos questionamos se o humor tem ou não limites e no que toca às mulheres, entre si, acho que ainda têm tendência a não ter o espírito de camaradagem que deviam ter. Por isso, acho que ainda temos um longo caminho a percorrer.

Tiveste uma peça a estrear no passado dia 21, Comédia de Bastidores. O que é nos podes contar sobre ela?

É uma comédia em que te vais rir muito, mas também tem uma grande mensagem, não é oca. Tem uma grande misoginia implícita, também porque foi escrita nos anos 70, e passa-se entre três casais e vai-se percebendo os meandros desta coisa que é subir socialmente e precisar de alguém para tal. As mulheres não estão a liderar, não são elas que têm os empregos, mas depois percebe-se que cada ato que se passa vem da cabeça delas. Uma das grandes questões que tivemos no início dos ensaios foi se isto era um texto em que o autor criticava a misoginia da sociedade daquele tempo ou se ele estava apenas a retratar o que se passava e nem tinha noção de que era assim. Eu acho que foi uma decisão consciente e nós optamos também por fazê-lo de maneira consciente porque quando se interpreta textos que vêm de outras pessoas é necessário perceber de que lado é que estava o autor, se era uma crítica ou não. Depois, por outro lado, a peça tem um lado muito cómico, em que as festas estão a acontecer e nós nunca vemos a festa, vemos sempre a cozinha, uma coisa muito típica. Há um elenco fantástico, são quase todos do Porto e são atores que ainda bem que vêm cá e que eu acho que deviam estar mais integrados no teatro nacional e não a fazer coisas só no Porto. Estou super feliz de termos podido estrear em Lisboa e estava cheia de medo que as pessoas perdessem a cabeça e ficássemos impedidos de a fazer de novo. Isto é mesmo aquilo que as pessoas estão a precisar de ver: não é só comédia pela rama, mas é muito bom para rir e descontrair.

Acreditas que para que um projeto seja realmente bom tem de ter uma mensagem por trás?

Essa é uma boa questão. Acho que não tem de ter uma mensagem por trás porque há coisas que são entretenimento puro, mas as pessoas que estão a conduzi-lo, autores, realizadores e até mesmo atores, podem ter essa vontade de passar uma mensagem. Quem vai ver o espetáculo pode ou não querer receber essa mensagem, se não quiser e estiver ali apenas por diversão também não precisa. Eu acho que é mais interessante ter mais camadas do que apenas esse lado do entretenimento, mas fica ao critério de quem vê. Se eu for ao circo, por exemplo, eu estou ali a ver e divirto-me e aquilo serve o seu propósito. Se eu for ver uma comédia também posso estar ali só para me rir e não tem problema nenhum. Eu, pessoalmente, prefiro assistir a um projeto que tenha um bocadinho de tudo porque fica mais comigo e fico a pensar no espetáculo se tiver algo que me intrigue e me faça pensar. Mas acho que tudo é válido e que o entretenimento por si só é válido.

Achas que o entretenimento é capaz de ensinar mais do que algo que sirva exclusivamente para esse propósito?

Eu acho que sim. Eu aprendi imenso na escola e tive um ensino espetacular mas a verdade é que me esqueci de montes de coisas e, ainda bem, porque, por exemplo, nas aulas de história aprendi as coisas se calhar diferentes do que elas foram mesmo. Acredito que o nosso percurso, o que vemos, ouvimos e o que escolhemos aprender nos fazem crescer muito mais do que aquilo que aprendemos na escola, sem retirar todo o mérito desse tipo de aprendizagem. Acho que são coisas que se complementam. Às vezes nós aprendemos uma coisa na escola e ficamos com a teoria, mas depois vemos um filme ou lemos um livro onde o que aprendemos se aplica e, aí, é que percebemos ao que se referiam os professores na escola. A existência desse complemento entre o ensino tradicional e o que vemos através da arte é que faz com que nos lembremos das coisas. Depois, há pessoas que adoram teoria e estudar e outras que são muito mais sensoriais e que preferem deixar-se levar por uma história e isso é que os faz pensar sobre os temas. A cultura tem um papel essencial na aprendizagem: a diversidade que existe ao nosso dispor é que vai fazer de cada um de nós um cidadão pensante e diferente do outro. Acho que a cultura é um ótimo complemento à parte teórica, por isso é que se fazem tantas visitas de estudo ao teatro e a museus, isso fica-nos muito mais na memória do que uma coisa escrita.

Em que é que tu és boa que as pessoas não sabem?

Eu acho que sou boa a fazer sotaques. Quando estava nos Estados Unidos percebi o quão importante essa arte era para me conseguir fazer passar por várias nacionalidades e aí comecei a tomar-lhe gosto. Cá eu nunca fiz isso. Na cozinha não sou nada boa. Adoro comida caseira, mas não é algo que seja fantástica a fazer. Quando meto na cabeça e faço com amor até pode sair algo bom, mas não é o meu talento nem é uma coisa que goste de fazer todos os dias.

Que impacto é que a pandemia teve na tua vida pessoal e na tua vida profissional?

A primeira parte da pandemia não teve tanto impacto como poderia ter tido porque eu tinha acabado de ser mãe, estava em casa com o bebé, não estava a contar trabalhar e até foi bom psicologicamente, de certa maneira, saber que ninguém estava trabalhar e que eu não era a única que não estava a fazer nada. Claro que, como é óbvio, não estávamos todos felizes e contentes mas a nível pessoal não foi péssimo. Depois fui fazer a peça Comédia de Bastidores ao Porto e foi espetacular. Agora, esta última parte, em que o meu filho já tem um ano, não estou a gravar, estive na dúvida sobre se o espetáculo em Lisboa ia acontecer ou não, foi um bocadinho mais difícil. Existe o peso de a pandemia já durar há um ano, não estou perto dos meus pais, não tenho muita ajuda com o bebé e está-me a custar um bocado, mas estou esperançosa com este desconfinamento gradual do país. Eu acho que sou responsável e gosto de acreditar que as pessoas são responsáveis também e vamos conseguir recuperar, mas não tem sido muito fácil. Tive uma oportunidade para fazer um projeto fora da Europa e foi cancelado. Fiquei a pensar: ‘Opa porque é que isto tinha de acontecer?’. Portanto, teve esse impacto, não foi muito giro, de todo. Mas estou a tentar manter o espírito positivo e olhar para o futuro próximo.

Tens conseguido ser uma mãe presente tendo ensaios quase diariamente?

Eu acho que fui feita para ser uma mãe trabalhadora porque estes meses que passaram fui só mãe e fiquei mesmo a sentir que necessitava do estímulo intelectual de outra coisa exterior e de não ser só mãe para depois poder ser uma mãe ainda melhor. Portanto, eu acho que consigo fazer bem essa gestão, tenho ajuda como é obvio, sendo que quando estava no Porto era ainda melhor porque tenho lá os meus pais. Eu percebi mesmo que quando estou a trabalhar e volto para casa e para o meu filho tenho uma disposição muito melhor, eu preciso desse estímulo. Esta minha paixão por ser atriz existe e continua e, se calhar, ainda está maior desde que fui mãe. Agora que estamos em tempos de pandemia, nem sequer existe uma vida social para colmatar essa falta de trabalho e a verdade é que isso vai sempre existir, devido ao nosso trabalho ser tão precário. Vão existir alturas em que vou estar mais com ele e outras em que vou estar menos. Ainda não estive perante a situação de trabalhar 12 horas por dia porque estive a fazer teatro e tirando um dia ou outro, o horário foi sempre tranquilo.

Em que projetos te vamos ver nos próximos tempos?

Para já, marcado só tenho teatro. Tenho esta peça que estou a fazer agora e depois vou estar noutra também. Em termos de televisão e cinema, ainda não sei, espero que em breve.

Tal como a ideia que tinhas em criança, ainda achas que o teatro é a essência da representação?

Para mim é, mas acredito que para outros não seja. Não há nenhuma verdade universal que diga que quem não é ator de teatro não é ator. Não tenho essa ideia e acho que são todos fabulosos. Por exemplo, a Marilyn Monroe, que as pessoas achavam que era uma atriz do caraças, não era uma atriz de teatro, como há tantas outras que não são. Acho que é incrível ser bom a fazer as três coisas, porque é muito difícil. Mas há pessoas que são boas no teatro e chegam à televisão e não são tão boas ou chegam ao cinema e não conseguem tão bem porque as técnicas e os métodos são muito diferentes. Para mim, foi assim que eu cresci e é essa a minha realidade, eu acho que se aprende muito no teatro, devido ao tempo que se tem, que não existe no cinema e na televisão. Eu acho que o teatro é uma escola incrível para estarmos preparados para essa coisa mais rápida mas não acho que seja uma verdade absoluta, de todo, é a minha verdade.