Bloquear pontes…

Deslumbrado com a volúpia da exposição mediática, o líder da CGTP foi longe demais, ao convocar manifestações que, a realizarem-se como estavam anunciadas, serviriam para bloquear, na prática, durante várias horas, as pontes escolhidas, sobre o Tejo e o Douro.

bem andou, por isso, o sistema de segurança interno ao emitir um parecer desfavorável, proibindo a travessia pedonal entre as duas margens do tejo, e invocando «diversos riscos de segurança», em especial, o «número desconhecido de participantes».

comecemos pelo óbvio: esta marcha da cgtp na ponte, a pretexto do orçamento do estado para 2014, seria um absurdo e um flagrante abuso do direito de manifestação constitucionalmente protegido.

explicava arménio carlos que «vamos marchar por abril, pelo que faz sentido fazê-lo numa ponte com este nome».

está equivocado.

a ponte, inaugurada em agosto de 1966, com pompa e circunstância, por salazar e américo thomaz, chamou-se ‘ponte salazar’ e só mais tarde, após a ‘revolução dos cravos’, foi rebaptizada como ‘ponte 25 de abril’, apesar de não se lhe conhecer qualquer protagonismo no movimento.

o valor simbólico cai, pois, pela base. mas não é essa a questão de fundo.

numa atitude provocatória e de desafio aberto, o estratega da cgtp mantém o projecto no dia em que escrevemos esta coluna, como se a marcha política fosse a mesma coisa que um evento desportivo – com participantes inscritos e cobertos por uma apólice de seguro –, sob a capa inocente de querer «inovar as acções reinvidicativas» para «atrair as pessoas e fugir à rotina».

pelos vistos, estão a ficar ‘fora de moda’ os percursos da avenida da liberdade e da praça de espanha, ou as concentrações na alameda e no terreiro do paço…

entrámos no domínio do surreal. o país continua em pré-falência, apesar de alguns sinais ténues de recuperação, e sob assistência internacional. contudo, se no plano sindical prevalece a imponderação, o governo não se mostra mais sensato. e padece de tiques bipolares.

depois, na oposição, o partido socialista ficou mais bicéfalo, com um líder inseguro e um candidato a líder, agora mais seguro da tomada do poder no partido assim que conclua ser o tempo de avançar, não repetindo o erro da saída em falso que já o ridicularizou.

sobejam, ainda, no arco parlamentar, o pcp, eufórico com o crescimento nas autárquicas, fiel à sua cartilha dogmática. e o bloco acéfalo, embora bicéfalo, a digerir uma derrota humilhante, vítima de uma invenção bizarra de louçã.

perante este quadro turvo, é um milagre o país funcionar como funciona.

dir-se-ia mesmo que coexistem dois países: o da cgtp, votado à organização de manifestações ‘inovadoras’, enquanto controla e promove greves nos transportes e na administração pública; e o país que prefere alhear-se silenciosamente destas ‘originalidades’, que não pára, e que está a ficar mais moderno e competitivo em indústrias tradicionais, no turismo, na agricultura, nas tecnologias, na investigação, no design e, até, no desporto e nas artes.

é o país positivo, que produz e exporta mais, em contraponto ao país indolente e laxista, de emprego garantido.

passos coelho que perceba isto.