Bundesliga. Dinheiro escaldante

O futebol movimenta muito dinheiro, mas nem sempre é bem-vindo. Os adeptos alemães manifestaram-se contra a entrada de investidores estrangeiros na Bundesliga e a ideia de vender os direitos comerciais da liga foi abandonada por pressão do “12.º” jogador. Ainda há romantismo no futebol.

O campeonato alemão tem potencial para atrair mais espectadores pela qualidade do futebol apresentado pelos principais clubes e pelo ambiente nos estádios. Consciente dessa mais valia, a Deutsche Fußball Liga (DFL) cedeu à tentação dos capitais estrangeiros e, numa segunda votação secreta, concordou em abrir mão de 8% dos direitos televisivos a um fundo (havia três candidatos, entre os quais o CVC, que controla a liga espanhola) em troca de um investimento de mil milhões de euros e a promoção internacional do campeonato alemão.

Os fundos de capitais privados continuam interessados no futebol, pois consideram que é uma indústria de entretenimento capaz de crescer e gerar importantes lucros. Os próprios responsáveis da liga alemã têm a noção de que, apesar da grande afluência de público aos estádios e do sólido contrato de transmissão televisiva, o interesse pela Bundesliga no exterior é menor do que sucede, por exemplo, com as ligas inglesa e espanhola, e mostraram-se disponíveis para incorporar capital estrangeiro. “O objetivo é que a Bundesliga e a Bundesliga 2 [segunda divisão alemã] permaneçam competitivas em termos desportivos e comerciais”, foi a explicação dada pela DFL.

Só que os adeptos mais radicais estão contra aquilo que consideram a comercialização excessiva do “seu” futebol. Os protestos tornaram-se insustentáveis – houve jogos que começaram atrasados e outros que foram suspensos longos minutos – e a ideia caiu por terra.

Os adeptos “têm um problema com os investidores”, disse o presidente da DFL, Hans-Joachim Watzke. “Os alemães são tradicionais, talvez até um pouco antiquados. Na Alemanha, investidor talvez não seja a melhor palavra”, disse contrariado. “O dinheiro do investidor seria perfeito para ajudar a Bundesliga a crescer. O contrato tinha linhas vermelhas de que nada poderia acontecer que fosse um problema para os adeptos, mas os adeptos não acreditavam em nós. É, de facto, um problema da sociedade alemã”, sublinhou Watzke, que é também diretor executivo do Borussia Dortmund. E deixou um reparo: “Podem ter a certeza de que não há problema para o Bayern Munique e Borussia Dortmund. É um problema para os outros clubes. O Bayern e o Dortmund farão o seu próprio caminho se for necessário”.

Manter as tradições 

Os clubes alemães sempre foram controlados pelos sócios, que conservam uma mentalidade romântica e querem ter voz e participar nas decisões dos seus clubes. Já em Inglaterra, há muito que os clubes têm acionistas privados ou são propriedade de empresários milionários. É precisamente isso que os alemães querem evitar. Há, claramente, um choque de conceitos à volta do futebol. E importa salientar que a regulamentação das competições profissionais na Alemanha tem uma cláusula que estabelece que para competir na Bundesliga um clube deve ter a maioria do direito de voto, o que significa ter 50% + 1 . Esta regra continua a ser sagrada para quem acompanha intensamente a vida dos clubes. Note-se que o Bayern Munique tem 290 mil sócios, o Borussia Dortmund mais de 153 mil e o Schalke 04 mais de 150 mil associados.

Os adeptos têm estado em pé de guerra e protestaram das mais variadas maneiras, comprometendo a realização normal dos jogos e a integridade das competições. Os protestos são organizados pelos ‘ultras’, mas contam com o apoio dos seguidores normais. Começaram por fazer 12 minutos de silêncio no início de cada jogo e exibir faixas com diferentes mensagens: “não aos investidores” e “estão a destruir o nosso desporto”. A revolta subiu de tom e começaram a mandar dezenas de bolas de ténis, cadeados com o código 50+1 e moedas de chocolate para o relvado, chegando, inclusive, a haver carros telecomandados a entrar no recinto de jogo com potes de fumo. Todas essas manobras atrasaram o início das partidas ou a sua interrupção por longos períodos.

O comportamento dos adeptos motivou diferentes reações. Christopher Trimmel, capitão do Union, entendeu as manifestações. “Acho que um protesto deveria incomodar, porque senão não tem efeito”. O jogador do Bochum, Takuma Asano, protagonizou um momento caricato ao comer um desses chocolates, mas outros gesticularam contra os espetadores quando os jogos foram interrompidos. As claques não querem que se repitam casos como os do Leverkusen, que é propriedade da Bayer, e do Wolfsburgo, que pertence à Volkswagen, com as duas empresas alemãs a comprometerem-se a apoiar financeiramente os clubes durante 20 anos. Bem diferente é o exemplo do Leipzig. A Red Bull aproveitou uma lacuna no regulamento para concretizar o negócio e, por essa razão, tornou-se o clube mais odiado na Alemanha. Também Dietmar Hopp, fundador da SAP, beneficiou de uma exceção para ter o controle maioritário do Hoffenheim. Contudo, a sua intenção caiu por terra pela rejeição que teve por parte dos adeptos do clube e devolveu a totalidade das ações. 

Os adeptos têm, na verdade, grande importância na dinâmica do futebol alemão. Em 2017/18, já tinham mandado bolas de ténis para os campos a protestar contra a intenção da DFL de realizar jogos à segunda-feira à noite e a ideia foi abandonada. Como é tudo tão diferente, para pior, em Portugal, onde continua a haver jogos às 20h30 na segunda-feira.