Cagliostro. O trafulha passeou-se por Lisboa

Tal como acontecia por outras capitais da Europa, não houve forma de fugir ao encontro de mágicos, alquimistas, aldrabões que sacavam dinheiro à fidalguia em troca de truques espíritas baratos e de sessões onde invocavam os ectoplasmas. Giuseppe Balsamo terá sido um dos mais famosos entre todos. Dizia-se Conde e encantou Camilo e Goethe.

Há precisamente 250 anos, Portugal deixava-se fascinar pela arte do ilusionismo e recebia com um interesse inusitado a visita de um senhor que dava pelo nome artístico de Philadefus Philadelfia. O seu nome de batismo deixava claro as suas origens judias: Jacob Mayer. Autointitulava-se mágico, físico, malabarista, astrólogo, alquimista e cabalista. Não se pode dizer que fosse modesto. Converteu-se à religião católica e passou a chamar-se Jacob Philadelfia em homenagem à cidade da Pensilvânia onde tinha nascido, em 1735, e que era igualmente a terra natal de um dos seus ídolos: Benjamin Franklin. Quando chegou a Lisboa, já se encontrava por cá um dos seus maiores émulos, um figurão chamado afrancesadamente Joseph Balsamo que ficaria para a história como o Conde de Cagliostro.

As mais altas sociedades das capitais da Europa tinham Cagliostro em formidável consideração. Nada de estranhar na segunda metade de 1700. Bálsamo, apresentado em público como um «Notável Prestidigitador» não passava de uma fraude. Um charlatão em fuga contínua com antecedentes criminosos capazes de lhe valerem, no caso de ser apanhado, alguns anos valentes de cárcere. E, ainda assim, o futuro não o vetou às catacumbas do olvido. Provavelmente por isso mesmo. O Conde de Cagliostro exibia os seus elixires mágicos com desplante, tanto frente à czarina Catarina II, em Sampetesburgo, como frente aos mais crédulos dos portugueses que o receberam de braços abertos no ano de 1770. Veio acompanhado da sua esposa e cúmplice, Lorenza Feliciani, que usava o pseudónimo de Serafina, e foi apresentado com um estrondo de deixar roído de inveja o pobre Jacob nas instalações do jornal Novidades num espetáculo que se dividia em duas partes: Laboratório de Cagliostro e a Casa Encantada. Era do quilé!

Maçom rosacruz, Balsamo atraía curiosos como a luz atrai melgas e mosquitos. Era como se as pessoas flutuassem em seu redor, espantadas por truques mais ou menos elaborados. Era um petulante de calibre grosso: cerca de vinte anos antes da sua presença em Lisboa, fora acusado de roubar o esplendoroso colar da rainha Maria Antonieta enquanto se apresentava na corte francesa de Luís XVI. Um escândalo! Foi dar com os costados numa cela da Bastilha e, seis meses mais tarde, expulso de França com o carimbo de trafulha e ladrão colado à pele. As notícias espalhavam-se lentamente nesse tempo. Mas Portugal tinha ouvidos um pouco por toda a parte, e dois deles pertenciam ao Visconde de Vila Nova de Cerveira, Tomás Xavier de Lima Teles da Silva, que viria a ser primeiro-ministro, um fulano com um enorme leque de conhecimentos internos e externos. O Visconde ficou a saber, por vias travessas, que o Conde de Cagliostro se tinha infiltrado no seio de algumas das mais endinheiradas famílias da capital e que cobrava antecipadamente largas quantias em dinheiro e joias para apresentar as suas sessões espíritas em vários salões afamados. Deitou-lhe, então, às canelas, um tipo ferocíssimo, de apavorar hipopótamos, o Intendente Geral da Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique. Cagliostro estava metido numa camisa de onze varas. Mais uma vez…

Pina Manique era impiedoso. E também um papa-tachos, ele que fora um dos preferidos do Marquês de Pombal. Formado em Leis pela Universidade de Coimbra, acumulou, antes da intendência, os cargos de superintendente geral de Contrabandos e Descaminhos, desembargador da Relação do Porto, Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação e juiz criminal de diversos bairros de Lisboa. Não descansou enquanto não correu com Joseph Balsamo aos pontapés para o lado de lá da raia, preocupando-se ao mesmo tempo em conservar no anonimato todos os tontos fidalgos que se tinham visto espoliados por via das suas crenças bacocas naquele que era o lema de Cagliostro: «União, Silêncio, Virtude». Convenhamos que era preciso um descaramento divino, digno do Alencar do Eça, trazer a virtude à colação. Mas se havia algo que o Conde de Cagliostro decididamente não tinha era vergonha na cara. Ainda assim, deixou em Portugal um rasto de mistério que levou Camilo Castelo Branco a traduzir o livro da sua vida: Compêndio da Vida e Feitos de José Balsamo Chamado o Conde Cagliostro ou O Judeu Errante.

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