Calma

O acordo Passos/Portas para refazer o Governo estava preso por pinças. Portas só revogou o irrevogável porque o partido não o deixou sair e porque o CDS se arriscava a sair de eleições não num táxi, mas numa Vespa.

portas reentrou, e fez bem. mas levou com o brinde de uma missão impossível: convencer a troika a mudar tudo, sem sequer ter convencido disso o primeiro-ministro e com a sua credibilidade externa e interna reduzida a mínimos. ao mesmo tempo, teria que reformar o estado sem dor e fazer a economia crescer sem dinheiro.

passos, claro, olhava para isto com o desdém de quem amarrou o adversário ao seu próprio veneno – o que diz muito sobre a confiança com que no psd se encarou a solução de último recurso.

do ponto de vista formal, o acordo de sábado era feito para mostrar ao presidente. mas era um inferno para executar. com as medidas da sétima revisão por concretizar, os cortes nos ministérios por explicitar e o orçamento de 2014 na corda bamba.

tudo isto com o tribunal constitucional à espreita. e com um emissário da comissão europeia em lisboa, na última sexta-feira, a avisar o presidente e os economistas reunidos em belém que é preciso cumprir religiosamente o programa e até acelerá-lo para compensar a instabilidade política reinante.

com a discussão do programa cautelar aberta, também seguro ajudou ao filme: não contem com o apoio do ps para esse programa sem eleições, disse.

perante esta maravilha potencial, chegou o presidente. congelou os novos ministros e os seus poderes, apelou a um derradeiro esforço de entendimento entre psd, ps e cds, admitindo como bónus a realização de eleições para o fim do programa de assistência. o entendimento que o presidente pede é sobre este memorando e sobre o próximo. caso contrário, diz, o mais certo é o abismo.

nestes dias que correm, a tentação (a minha, desde logo) é dizer que está tudo louco. e dizer que o próprio presidente está a pedir o impossível. mas foi precisamente nestes últimos dias que nós – comentadores, jornalistas, analistas, psicólogos e videntes – mais nos enganámos nas previsões. por isso, reservo-me o direito de não fazer previsões nem comentários precipitados.

o que o presidente pediu, pelo menos em teoria, era o que todos admitiam até há dias. no psd, cds e até no ps, não há quem ignore que o país está à beira de um segundo resgate. e todos sabem que só uma mudança total de paradigma pode salvar-nos do desastre.

é óbvio que os riscos que o presidente corre são enormes. a hipótese mais provável é que resulte daqui um governo sem a confiança do presidente e sem força para negociar ou cumprir os seus compromissos. mas é difícil de acreditar que saibamos tudo o que cavaco sabe. e que o presidente tenha feito tudo sem pensar mil vezes no assunto.

o que sei é que o futuro de nós todos está, agora, nas mãos dos líderes que temos. e que não perdoaremos a nenhum se agirem como se vivêssemos uma situação normal. a nenhum.

david.dinis@sol.pt