Casta madura na Champions

Na última vez em que se encontraram beberam chá. Em Novembro, José Mourinho estava de passagem por Manchester com o ‘seu’ Real Madrid, para defrontar o City na Liga dos Campeões, e recebeu a visita do velho amigo. Alex Ferguson não quis perder a ocasião de saudar um rival a quem se afeiçoou durante as…

três meses volvidos, o chá dará lugar ao vinho. manda a tradição que os dois treinadores partilhem uma boa garrafa sempre que se enfrentam. e vai voltar a acontecer quarta-feira, no primeiro acto dos oitavos-de-final da champions (o segundo, com o fc porto-málaga, é só na semana seguinte). será o quarto clube orientado por mourinho a medir forças com o united de ferguson.

depois de fcporto, chelsea e inter de milão, chega a vez do real madrid, que recebe os ingleses na primeira mão. «é o principal jogo da ronda», afirmou o técnico escocês na reacção ao sorteio. «e uma grande oportunidade para reencontrar o josé. vou ter de encomendar bom vinho».

nunca como agora mourinho terá estado sob tanta pressão num duelo com ferguson. ofim do percurso no real espreita ao virar da esquina e um adeus precoce à champions pode empurrá-lo para o beco. perante a má campanha na liga espanhola, só o título europeu alimenta a ilusão de um clube cada vez mais dividido – nas bancadas e também no balneário – no apoio ao treinador.

em inglaterra, pelo contrário, não lhe falta cartel. o regresso, talvez já na próxima época, é uma certeza. e ferguson não esconde que gostaria de o ver ocupar o seu cargo no manchester united.

«não vou durar para sempre e o josé pode treinar qualquer clube», disse num recente documentário da estação itv. «jamais pensaria que um tipo que nunca jogou futebol pudesse ser um treinador de topo, mas há aquela personalidade maravilhosa e forte, que compensa essa falha».

mourinho reagiu no próprio dia:«são palavras de um amigo. a sucessão de ferguson não está próxima. deve ser daqui a dez anos. ele está melhor do que nunca, por que haveria de retirar-se?».

a troca de piropos vem de longe. mas nem sempre foi assim. ferguson já admitiu que até 2004, quando o fcporto eliminou o united da champions e mourinho desatou a correr ao longo da linha lateral em old trafford, nunca tinha ouvido falar do português. após o empate a um golo na invicta, no jogo da primeira mão, o então técnico dos ‘dragões’ atacou: «percebo por que ele está um pouco emotivo. qualquer um ficaria triste se a sua equipa tivesse sido claramente dominada por um adversário construído com 10% do orçamento».

o tinto que sabia a decapante

meses depois, mourinho entrava no chelsea como campeão europeu e de peito feito. ferguson contou à itv o que pensou na altura: «acaba de chegar a inglaterra, não passa de um jovem e diz que é o special one. cristo, que palerma arrogante». só mais tarde percebeu a mensagem. «ele estava a dizer aos jogadores: sou especial e nós não perdemos jogos, vamos ganhar o campeonato».

como o vinho, também a relação entre os dois treinadores se tornou melhor com o tempo. e vice-versa: à medida que o respeito e admiração mútuos cresciam, subia a parada do tinto. depois de ferguson se ter queixado que a primeira oferenda «sabia a decapante», mourinho emendou a mão, na visita seguinte, com um barca velha de 1964. preço: à volta de 400 euros.

não foi estranha, por isso, a decepção expressa pelo escocês quando o chelsea dispensou o português, em 2007: «o josé trouxe algo novo e fresco ao nosso futebol. agora não sei o que vou fazer ao vinho».

passaram quatro anos desde que se cruzaram pela última vez em campo. apesar do saldo global negativo (seis derrotas e apenas três vitórias em 14 jogos), ferguson levou a melhor nesse embate mais recente, frente ao inter, também nos ‘oitavos’ da champions.

foi uma espécie de ajuste de contas pela eliminação aos pés do fcporto, mas a verdade é que o manchester united se limitou a confirmar o estatuto de favorito que anos antes não tinha conseguido.

agora será diferente. pela primeira vez na grande prova de clubes da uefa, a equipa de mourinho é a mais forte, em teoria. e conta com cristiano ronaldo, que muitas dores de cabeça lhe deu em anteriores choques com o manchester united.

só que do outro lado estão ameaças como van persie, rooney, nani e, acima de tudo, a mística de ferguson. o boss, como lhe chama mourinho, está há 26 anos no clube e é um vencedor nato. o português sabe-o. em tempos afirmou: «ele é uma inspiração, um exemplo para qualquer aspirante a treinador. vive para ganhar».

rui.antunes@sol.pt