Cheios de crédito malparado, bancos não querem ter mais prejuízos

Quando um banco concede um empréstimo, o interesse é que o cliente vá amortizando o capital e pagando os juros, pois é assim que obtém os seus lucros. Se, por qualquer razão, o cliente não pode pagar, o banco incorre em prejuízos, mesmo que execute a hipoteca de um imóvel, pois a venda desse ativo,…

Foi ontem organizada pelo “Jornal de Negócios” uma conferência sobre a banca portuguesa. Nesta conferência esteve presente o secretário de Estado do Tesouro, Mourinho Félix, que enumerou as prioridades do governo: primeiro, recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos (possivelmente em 2.700 milhões de euros, que os contribuintes mais cedo ou mais tarde terão de pagar); feito isso, a partir de março de 2017, arranjar uma solução para o crédito malparado dos outros bancos, solução essa que parece ainda não estar definida.

Esta declaração deve ter causado algum frisson na sala. Porque, se os bancos forem obrigados a vender esses créditos malparados, isso é positivo para eles a médio prazo porque podem voltar a conceder empréstimos e a obter lucros, mas no curto prazo incorrem em prejuízos (casas que hoje valem menos que os empréstimos concedidos para as comprar, por exemplo), prejuízos esses que os acionistas vão ter de suportar, colocando (ainda) mais dinheiro nos bancos.

Nos tempos bons do crédito fácil, alguns bancos incentivavam os clientes que queriam um empréstimo para comprar casa a pedirem mais dinheiro do que era necessário para a aquisição do imóvel por forma a poder equipa-lo com eletrodomésticos. A ideia era extrair dos clientes tanto dinheiro quanto eles pudessem pagar. Quanto a aplicações financeiras, em alguns bancos, a instrução dada aos funcionários era: “impinjam”.  E, dada a iliteracia financeira de boa parte da população, não devia ser muito difícil impingir.

Uma vez um amigo meu quis fazer uma aplicação financeira e pediu-me para ir com ele, e eu disse que sim. Ao balcão, o meu amigo perguntou se a aplicação que lhe fora proposta era segura, e a funcionária disse: “Sim! Isso garanto eu.” Pedi a ficha técnica do produto, onde se podia ler: “Existe o risco de perda total do capital aplicado.” O meu amigo arrastou-me rapidamente para fora da agência, dizendo que eu fiquei prestes a explodir. Mas nem todos têm um amigo desconfiado e com conhecimentos para ir com eles ao banco, e em conjunto decidirem o que vão fazer ao seu dinheiro.

Esses foram os anos de ouro da banca, agora esmagada por crédito facilmente concedido e hoje malparado, e surge uma dúvida terrível: quem vai pagar a conta, os banqueiros ou os contribuintes? Espero que sejam os banqueiros. Praticar comportamentos arriscados na assunção que outros irão pagar a conta tem um nome em Finanças: “moral hazard”. Para evitar isso é que as seguradoras colocam franquias nos contratos que vendem: se o seguro cobrisse 100% dos prejuízos, isso levaria a comportamentos mais arriscados dos segurados, pois nunca iriam perder qualquer dinheiro.

Por isso, parece-me justo que sejam os sócios e os acionistas dos bancos a suportarem as perdas com o crédito malparado. Usando um ditado popular, “para não pagar o justo pelo pecador”.