Consumo a preços de saldo

Embora seja um risco remoto, a deflação entrou no horizonte da economia portuguesa. O SOL calculou a evolução de preços dos quase 150 bens e serviços que o Instituto Nacional de Estatística (INE) utiliza para medir a inflação e verificou que metade dos produtos à venda em Portugal ficaram mais baratos.

A comparação foi feita entre os valores registados pelo INE em Outubro deste ano e o mesmo mês de 2012. Neste período, a inflação homóloga indicada pelo organismo público foi ligeiramente negativa (-0,2%), o que indica que, em média, os preços da economia estão ligeiramente mais baixos.

Mas uma média pode sempre esconder variações substanciais em categorias específicas de produtos. É esse o caso. As maiores descidas de preços em Portugal estão a ocorrer em produtos electrónicos, como computadores ou máquinas de fotografar e filmar, cujas descidas vão quase até 12%. Mas também em alguns segmentos de vestuário e de seguros, tal como nos combustíveis (ver infografia com o Top 10 das descidas de preços).

Menos procura, menor preço

O presidente do Fórum do Consumo, José António Rousseau, não estranha que os produtos electrónicos liderem as quebras. “São produtos que não são dos mais necessários para os consumidores. Logo, numa altura em que tem de se fazer opções, ficam para segundo plano. Isto faz com que os operadores tenham de reduzir os preços para, ainda assim, tentar vender”, explica.

Segundo a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, no primeiro semestre de 2013, a electrónica de consumo foi a categoria com maior quebra nas vendas do retalho não-alimentar, face ao mesmo período do ano anterior: menos 37,7%.

Depois de um 2012 potenciado pelo apagão analógico e passagem para a Televisão Digital Terrestre, este ano não houve nenhum evento que potenciasse a venda de televisões plasma ou LCD. Já a indústria fotográfica, por exemplo, tem sofrido com o aparecimento de outros aparelhos que permitem captar imagens. E “nem a agressividade dos preços, nem as novidades tecnológicas estão a cativar os consumidores para os produtos da fotografia”, justifica um estudo da GfK, que analisa este mercado.

Aliás, as promoções, em particular as de desconto imediato, também poderão ter contribuído para a baixa de preços que se está a verificar. “Se forem constantes ou muito frequentes, podem baixar o preço médio”, diz Rousseau.

Risco de deflação baixo

Ainda assim, o facto de existir inflação negativa e de haver muitos produtos com reduções abruptas de preços não quer dizer necessariamente que Portugal tenha entrado num processo deflacionário – um período prolongado em que a generalidade dos produtos e bens de uma economia descem de forma significativa, paralisando a actividade económica porque os consumidores retraem as compras, à espera de novas descidas.

“No imediato, não me parece que a probabilidade de entrarmos numa situação generalizada de deflação seja elevada. A menos que, por qualquer razão, se volte a observar uma recessão à escala global”, considera João Loureiro, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

O docente lembra que Portugal já viveu uma situação de descida de preços em 2009, sem que tivesse evoluído para uma deflação prolongada. Na altura, foram a queda dos custos energéticos e a recessão à escala mundial que fizeram descer os preços. Agora, os motivos são iguais, embora “com muito menos intensidade”.

O preço da energia na Zona Euro caiu no último ano e em alguns países, incluindo Portugal, “têm sido levadas a cabo políticas de ajustamento económico que são anti-inflacionistas, ao retirarem pressão sobre os preços em resultado da queda da procura”.

Ou seja, como refere José António Rousseau, está em funcionamento a simples lei da oferta e da procura: menos procura, baixa de preços. O problema em Portugal e a nível europeu é quando a lei da oferta e da procura ameaça a capacidade de recuperação da economia.

Perigos para as empresas

Embora positivos para os consumidores, preços mais baixos não são necessariamente benéficos para as empresas, que têm de baixar a margem de lucro, vêem os resultados diminuir e podem ser forçadas a reduzir postos de trabalho. “As margens dos retalhistas têm sofrido uma erosão”, admite o presidente da organização que estuda as relações de consumo e o sector da distribuição, frisando que isso acontece sobretudo em sectores onde as margens são mais altas, como no das marcas de moda.

Mas determinar se vai haver deflação no futuro é quase um exercício de adivinhação. Para já, parece um cenário longínquo. A generalidade das instituições internacionais antecipa uma recuperação ténue da economia em 2014, e também uma ligeira subida de preços.

O economista João Loureiro prevê que a Zona Euro viva nos próximos anos com baixas taxas de inflação, mas ainda assim inflação. No caso português, acrescenta que os preços vão estar muito condicionados pela evolução dos salários e da procura – para além do preço da energia, ditado no mercado global. “A minha expectativa é que os salários não continuem a cair, diminuindo a probabilidade de deflação. Do lado da procura, tudo vai depender da forma como evolui e que consequências terá o ajustamento orçamental ainda em curso”, sublinha.

ana.serafim@sol.pt e joao.madeira@sol.pt