Contagem de espingardas no BES

Diferendo entre Ricciardi e Salgado arrastava-se há meses, com os casos polémicos na gestão. Família e BdP tiveram papel determinante na aparente resolução do conflito, que continua nos bastidores.

o apaziguamento público do conflito familiar no grupo espírito santo, que opôs os primos josé maria ricciardi e ricardo salgado, está preso por fios. a luta pelo controlo do banco continua nos bastidores e as tréguas só foram alcançadas com a intervenção da família espírito santo e do próprio banco de portugal (bdp), soube o sol.

o confronto foi tornado público na última sexta-feira, quando o jornal de negócios noticiou que, na véspera, uma votação no conselho superior do grupo, sobre a continuidade de salgado à frente dos negócios da família, havia resultado numa cisão.

nesse dia houve buscas da polícia judiciária ao banco e especulou-se sobre se a reunião do conselho superior – que reúne os principais ramos da família – teria sido convocada para avaliar as consequências da acção das autoridades. não foi. o conflito entre membros da família arrasta-se há meses e a reunião estava marcada com muita antecedência, para discutir os problemas da gestão.

oficialmente, as razões do conflito permanecem desconhecidas. mas motivos de tensão nos órgãos sociais do banco não faltam. a sucessão de casos polémicos na justiça tem manchado o nome do bes e os danos na reputação são fonte de atrito na família.

além de ouvido no âmbito da operação monte branco, ricardo salgado esteve envolvido em polémica relativamente a três correcções feitas à sua declaração de rendimentos de 2011, devido a alegados pagamentos através de offshores – relativos a serviços de consultadoria a um empreiteiro angolano. o gestor acabou por ter de regularizar cerca de 4,5 milhões de euros de irs.

por sua vez, o presidente do bes investimento (besi), ricciardi, está sob investigação em vários casos. além do processo que envolveu a venda de acções da edp ao bes vida, em 2008, há investigações do ministério público sobre as privatizações da ren e da edp (assessoradas pelo besi e pela caixa bi), por alegado abuso de informação e tráfico de influências.

as relações com angola, a obtenção de capital através de operações delicadas – casos da venda das empresas rioforte e escom – ou as remunerações são também fonte de descontentamento. grande parte da família vive de dividendos dados pelo grupo, que têm sido cortados. as remunerações dos cargos executivos do banco, num momento em que o resto do ‘clã’ espírito santo se vê privado de rendimentos, não são vistas com bons olhos por parte da família. de acordo com o relatório do ano passado, salgado recebeu um total de 552 mil euros.

reunião tensa

as controvérsias no banco fizeram com que o conflito latente se tornasse explícito. a reunião do conselho superior foi o culminar das divergências, não o início. no encontro, salgado pediu um voto de confiança para continuar como presidente executivo do grupo. o primo rejeitou, mas acabou isolado: toda a família tomou o lado de salgado, incluindo o próprio pai de ricciardi.

o resto foi uma troca de acusações através de comunicados, com os nervos à flor da pele. num grupo conhecido pela discrição, o embate entre salgado e ricciardi veio para as manchetes dos jornais. primeiro, o presidente do besi clarificou que foi salgado a propor a votação. e, que «na qualidade de accionista do grupo, limitou-se a não dar a ricardo salgado um voto de confiança por ele solicitado para continuar a liderar o grupo».

no sábado, ricciardi emitiu nova nota de imprensa, em que frisou que «a sucessão na liderança do ges realizar-se-á não por decisão ou sequer recomendação individual, mas sim pela vontade colectiva dos accionistas manifestada em sede própria». e revelou «disponibilidade para corresponder às exigências da boa governance do grupo e aos desafios que o futuro reclama».

a disputa subiu de tom quando o comandante antónio ricciardi, presidente do conselho superior e pai de josé maria, revelou que só não havia apoiado o voto do filho na moção «para evitar a ruptura institucional imediata».

segundo assegurou ao sol uma fonte que acompanhou o conflito no bes, o banco de portugal esteve «muitíssimo atento» ao diferendo, tendo actuado de forma «discreta» para sanar o conflito familiar. a intervenção da família espírito santo – nomeadamente o pai de ricciardi – também teve influência. tão depressa como foi conhecido, o conflito foi apaziguado. numa declaração conjunta, na segunda-feira, salgado assumiu que ricciardi «reúne todas as condições para ser um dos membros possíveis à sua sucessão», quando for iniciado esse processo. já ricciardi revelou que «em função de um conjunto de esclarecimentos obtidos, reitera o voto de confiança na liderança executiva de ricardo salgado».

sucessão por definir

mas a disputa de poder continua nos bastidores. o mandato de salgado termina no final de 2015 e as diferentes facções da família contam espingardas para decidir quem ficará à frente do grupo. «a sucessão de ricardo salgado é um desafio institucional incontornável. manter a liderança num dos ramos da família ou optar por um gestor sem essas ligações é a questão a que os accionistas devem ser chamados a responder», frisa steven santos, analista da xtb.

certo é que ricciardi tem vários concorrentes. os administradores ricardo espírito santo, bernardo espírito santo e amilcar morais pires têm sido apontados como potenciais presidentes. ontem, salgado lembrou que o crédit agricole terá uma palavra a dizer na sucessão. o banco francês é accionista histórico do bes e ajudou a família espírito santo a reconstruir o grupo depois das nacionalizações do pós-25 de abril. o clima de paz será mais de guerra fria.