Cronista e resistente. Morreu Nuno Brederode Santos

Aos 16 anos, fez greve de fome contra a ditadura. Escreveu “O Ornitorrinco”, dedicando-o a Cavaco, “um bicharoco em vias de extinção”. Tinha 73 anos.

Nuno Brederode Santos morreu na manhã deste sábado. Nascido em 1944, companheiro de sempre de Jorge Sampaio desde as lutas académicas de 1962, casado com a atriz Maria do Céu Guerra, Nuno Brederode Santos era irmão de Maria Emília Brederode Santos, pedagoga e viúva de José Medeiros Ferreira.

Nuno Brederode, que apesar de afastado da vida interna do PS se manteve militante, era filho de Nuno Rodrigues dos Santos, advogado opositor da ditadura e fundador do PSD, que chegou a liderar os sociais-democratas numa direcção colegial em 1983. 

Morreu vítima de doença prolongada no Hospital dos Capuchos. De acordo com uma fonte familiar à Lusa, Nuno Brederode estava internado há já duas semanas. O velório realizar-se-á no Museu da Cidade, no Campo Grande, em Lisboa. 

O Opositor

Opositor á ditadura, Brederode Santos chegou a fazer greve de fome durante tres dias, quando tinha 16 anos, com outros estudantes. Em entrevista á jornalista Anabela Mota Ribeiro, Brederode contou como foi.

"O Jorge Sampaio tinha acabado de ser eleito presidente da associaçao de estudantes, passou a secretário-geral da RIA [reuniao inter-associações]. Depois fiz as coisas que se fizeram em 1962. Depois fiz a greve de fome. Fiz sem dizer nada em casa. O meu pai foi lá, fez-me um sinal de encorajamento. Fiquei comovidíssimo, julguei que ele ia ralhar, que ia achar que com 16 anos não se tem estes arremedos."

Nuno Brederode está ao lado de Jorge Sampaio na construção do MES, Movimento de Esquerda Socialista, mas saem ambos no congresso da institucionalização do partido. A seguir, criam o GIS – Grupo da Intervenção Socialista – e entram para o PS no início de 1977.

O Ornitorrinco

Compagnon de route e conselheiro do ex-Presidente Jorge Sampaio, Nuno Brederode Santos foi um dos mais brilhantes cronistas portugueses. Ficou famosa uma crónica chamada "O Ornitorrinco", publicada em 2013 no Expresso, dedicada a Cavaco Silva.

Brederode Santos explica-a na mesma entrevista: "Uma das consequências da falta de cultura é a falta de articulação ideológica. Aquilo que uma pessoa pensa da matéria 'A' não tem necessariamente a ver com o que pensa da matéria 'B' e da matéria 'C'. E isto foi muito marcante no tempo do Cavaco. Esvaziou ideologicamente o PSD e o PSD passou a ter respostas não articuladas para os diversos problemas. Isso sugeriu-me um bicharoco em vias de extinção. Põe ovos, dá de mamar, tem bico."

Cavaco Silva era uma das maiores inspirações de Brederode cronista. "Escrevi uma frase que me parece excessiva mas que ilustra bem a ideia: 'Foi fácil tirar o homem de Boliqueime, mas agora ninguém consegue tirar Boliqueime do homem'." 

E prosseguiu: "Quando falo em cultura são os conhecimentos fora do conhecimento profissional. Ninguém é culto por saber Direito, ninguém é culto por saber Economia, se forem, respectivamente, jurista e economista. O homem [Cavaco] pode saber de Economia mas não me parece que tenha conhecimentos fora disso." ​