Crossfit. “Aqui não há espelho para apreciar o bíceps nem PT para limpar o suor”

Numa box de crossfit não há passadeiras, elípticas ou bicicletas. Trabalha-se com o peso do corpo e das barras, às quais os professores vão sempre acrescentando mais um quilo ou dois. Apesar de intenso, quem o faz diz que é um exercício para todos. O Crossfit Alvalade Oriente é prova disso: há atletas dos três aos 60 anos 

Antes de passar à prática, estudemos um pouco da teoria. O dicionário diz-nos que crossfit não é mais do que um treino de força baseado em movimentos funcionais variados feitos em intensidade elevada. Se esta entrada já mete algum respeito, o parágrafo seguinte traz-nos de volta alguma tranquilidade: “O crossfit é para todos, independentemente da idade ou da forma física.” Sendo assim, ‘bora lá.

Fim da tarde de uma terça-feira e a box Alvalade Oriente está mais que cheia, entre quem ainda está a acabar o treino e aqueles que, de braços cruzados, apreciam os exercícios que vão ter de repetir no treino seguinte. Os mais habituados ao tempo de espera, até que toda a equipa esteja reunida, sentam-se no mega-pneu de camião que serve de mesa de apoio à entrada e que se enche de revistas pintadas com corpos musculados, como que a servir de inspiração. A leitura só é interrompida pelo grito de Jorge Ortiz. “Turma das 18h45, reunir!”

Somos 20, o que pode ser demasiado para a execução dos exercícios, mas perfeito para fazer pares. “Organizem-se dois a dois e lembrem-se: nunca deixem o vosso companheiro para trás.” Sílvia, que está apenas na sua segunda experiência de crossfit, avisa: “Vão ter mesmo de esperar por mim.” Veremos então, até porque o aquecimento, esse, ainda é individual.

Munidos de um tubo comprido de PVC, esticamos braços, ombros, pescoço até ao limite da elasticidade. De corpo no chão, imitamos posições normalmente associadas ao ioga, mas que aqui servem na perfeição para preparar os músculos pouco habituados a um impacto físico tão intenso como o que se avizinha. “Siga!”, grita Ortiz, “que isto aqui não é o Holmes Place, onde a dúvida é se hoje faço banho turco ou sauna.” As gargalhadas interrompem o esforço e dão o ânimo que falta para passar do aquecimento ao tão falado “treino de força” com “intensidade elevada”.

Já pendurados nas argolas, o grupo divide-se claramente entre quem está perto das acrobacias dignas de Cirque du Soleil e quem, como nós, tenta em grande esforço tirar os pés do chão por dois segundos. Ortiz dá apoio a cada dupla, corrigindo movimentos e dando alternativas. “Se não conseguem tudo, fazem só metade, o importante é fazer.”

Quase a terminar os 15 minutos de exercício, Lili, que já frequenta a box desde janeiro, espreita para o quadro eletrónico que dita o próximo passo. “O pior”, garante. É que não há aula de crossfit que não termine com o WOD ou, para os leigos, “workout of the day”.

Os treinos nunca são iguais e a ementa do dia de hoje não parece das mais simpáticas. Em 20 minutos há que repetir três vezes os seguintes exercícios: correr 400 metros até ao fundo da rua, fazer 30 boxjumps, vulgo saltar de pés juntos para uma caixa de madeira, 20 ring dips (sim, continuamos nos termos em inglês para dizer coisas como flexões de braços nas argolas) e 10 thrusters. Toda a gente anuiu com a cabeça, dando o sinal de que aqueles termos já são do dia-a-dia. Para nós, crossfitters de primeira viagem, este inglês está próximo do chinês e pedimos uma ajuda. “É fácil”, diz Ortiz, “é só agachar com a barra nos ombros e, ao subir, elevá-la até acima da cabeça.” O ar com que ficamos depois de ouvir a explicação remete para tudo menos para facilidade. Mas bom, o melhor é passar à prática que o relógio digital que está no alto da parede já começou a rolar.

Corre, salta, flete, puxa a barra e faz tudo outra vez e outra vez. Terminamos já depois dos tais 20 minutos, mas a sensação de dever cumprido já ninguém nos tira. Ups, parece que gritámos vitória cedo demais. Bruno Militão, outro dos sócios da box, reúne o grupo para dar uma pequena descompostura. “Continua a haver quem não se inscreva na aula, quem não arrume o material, quem não espere pelo colega de equipa para terminar o exercício e quem prefira fazer isto a correr do que bem feito.” Ortiz, mantendo o ar sarcástico a que já habituou a turma, arremata: “Aqui não há espelho para apreciar o bíceps nem um PT a limpar-vos o suor com uma toalhinha, aqui é para treinar a sério.” 
O aviso fica feito, o recado dado, e agora está na hora de pegar na calculadora. Isto porque à entrada existe um quadro que faz antever o pior: não arrumar o material dá direito a 100 burpees, quem se atreve a dizer “não consigo” faz 10 e quem se esquece de pôr o nome no quadro de inscrição paga com outros 10. Contas feitas e, tendo em conta que estamos perante uma turma de 20 pessoas, era capaz de dar burpees até à manhã do dia seguinte. Bruno resume o castigo de forma rápida. “Vá, fazemos todos 20.” Puxa por Ortiz e são os dois a dar o exemplo. “E isto é para não dizerem que não somos amiguinhos.”