Respondeu-me que a situação não era tão negra como eu a pintava, pois – ao contrário desses países – tínhamos designadamente uma boa rede bancária.
A realidade não poderia contrariar de forma mais cabal o ex-chefe do Governo.
Poucos anos depois, a banca portuguesa começaria a ruir como um castelo de cartas: o BPN, o BPP, o BCP, o Banif, todos eles, por uma razão ou por outra, entraram em dificuldades e alguns viriam mesmo a fechar.
Agora é o BES que está na linha da frente.
Os casos mais graves foram o BPN e o BCP.
O BPN foi uma grande tragédia para o Estado, mostrando que a decisão de o nacionalizar terá sido porventura mal avaliada.
O BCP foi uma tragédia para o país, mostrando como se pode destruir um grande banco em meia dúzia de meses.
E tudo aconteceu quando?
No momento da sucessão do fundador e em consequência de uma sangrenta guerra interna pelo poder.
Os accionistas, com Joe Berardo à cabeça, pegaram em metralhadoras e começaram a disparar uns sobre os outros, não deixando pedra sobre pedra.
Tresloucadamente, desvalorizaram os seus próprios capitais, perdendo centenas de milhões de euros com a queda abrupta e brutal das acções que possuíam.
Só agora, sete anos depois, o BCP começa a levantar a cabeça, recuperando a pulso o terreno perdido.
Ora bem, o Banco Espírito Santo entrou num período crítico, que pode conduzir a um fenómeno semelhante.
Vai ter lugar a sucessão do líder executivo, que renunciou ao cargo antes do fim do mandato, e já teve início uma luta pelo poder que se arrisca a ser devastadora.
Se – como se diz – a renúncia de Ricardo Salgado foi pressionada pelo Banco de Portugal (em virtude dos problemas legais em que o banco e ele próprio estavam envolvidos), então o presidente cessante não deveria ter apontado um sucessor.
E muito menos deveria ter indicado para seu sucessor o nome do seu director financeiro.
Ricardo Salgado, sendo um homem astuto (nem poderá ser outra coisa, dado o período tão longo em que presidiu à instituição), sabe muito bem que, se o seu director financeiro efectivamente lhe suceder, duas situações poderão dar-se:
Primeira: o homem tornar-se um mero factótum seu, um duplo, fazendo o que ele lhe mandar fazer; neste caso, a sucessão será um embuste, pois Salgado continuará a presidir ao BES por interposta pessoa.
Segunda hipótese: o novo líder querer assumir de facto as rédeas do banco, recusando-se a ser um peão do antecessor – e aí os choques entre os dois tornar-se-ão inevitáveis e a história acabará mal.
Recorde-se, outra vez, o que sucedeu no BCP.
Apesar de Jardim Gonçalves se ter rodeado de muitas cautelas, escolhendo para lhe suceder um homem que tinha um superior currículo público – Paulo Teixeira Pinto –, o conflito estalou e deu no que deu.
Salgado deveria, a meu ver, ter-se abstido de apontar um sucessor.
A solução deveria ter sido apresentada como resultante de um consenso entre os accionistas – e seria sensato que a escolha recaísse sobre um nome independente, uma figura sem ligações a qualquer dos membros da família, com personalidade própria e provas dadas fora da instituição.
Portugal, neste período também crítico para o país, precisa de bancos fortes e sólidos.
Embora haja na população uma certa animosidade contra a banca (acusada, às vezes com razão, de praticar agiotagem), a verdade é que ninguém ganha com bancos fracos e muito menos com bancos falidos.
O Estado sofre, a economia ressente-se, muita gente perde os seus depósitos.
É pois importantissimo que a sucessão no BES corra bem.
Mas, para isso, os membros da família e os outros accionistas devem ter a humildade de guardar as espingardas.
Caso contrário, tudo poderá acabar aos tiros e será mais um banco a cair na desgraça.
E aqueles que querem ficar com o maior quinhão do poder poderão conquistá-lo – mas ele já não valerá nada.
A queda das acções do BES, que neste momento representa perdas de mil milhões de euros, é um aviso suficientemente sério.
P.S. – A guerra de poder no PS também está a produzir episódios tristes. Há feridas que já não vão sarar, divisões irremediáveis e ódios que não irão desaparecer. Nada no Partido Socialista voltará a ser como dantes.