Cuidar de quem cuida, fazer por quem faz

Se a escola pode dar um contributo decisivo, talvez seja adequado dizer que para o fomento desse espírito de entrega aos outros em diferentes dimensões, caberá ao Estado Central e Local um olhar atento que proteja e valorize quem se entrega.

Por Marco Almeida, Professor, ex-autarca, Presidente da Delegação de Sintra da Cruz Vermelha Portuguesa

Por estes dias, com os políticos a banhos, o país dos mais frágeis vive e sobrevive.
Durante 30 anos, no exercício da minha atividade autárquica, ora numa junta de freguesia, ora na Câmara Municipal de Sintra, habituei-me a testemunhar a disponibilidade de muitos na dinamização do dia-a-dia das comunidades locais. É seguro afirmar que por este país fora, a promoção cultural, desportiva ou solidária é assegurada por cidadãos que vestem a camisola das suas coletividades e das suas terras. Por vezes, nos dias de hoje em que se acentua o individualismo, chega a ser um mistério tanta entrega e tão boas e genuínas vontades.

Acredito que o sentimento de pertença aqui ou ali, o amor às tradições e o espírito de entreajuda são o mote para que assim seja. Encontrei muitos que abdicam da companhia das suas famílias, por vezes em prejuízo das suas profissões, para não deixarem morrer as tradições, manterem a regular atividade desportiva deste ou daquele clube, da peça de teatro que reúne seniores e jovens, as atividades para os mais novos através de muitas associações escutistas ou escotistas, o tratamento de animais em abrigos de acolhimento ou o apoio solidário aos mais vulneráveis que precisam de um ombro e sobretudo de quem lhes preste auxílio ao longo de todo o ano.

Este Portugal, o real de milhares de portugueses que dão de si de forma voluntária, o de milhões de portugueses que recebem tanta dedicação é uma realidade paralela ao país dos políticos que vão a banhos e que assinalam o arranque do novo ciclo com o ligar do interruptor a que chamam rentrée.

Liderar agora, por espírito de missão, a delegação de Sintra da Cruz Vermelha Portuguesa tem contribuído para reforçar esta ideia, sobretudo a convicção, de que ‘alguém’ tem de cuidar, de valorizar, de proteger e de potenciar esta herança que passa de geração em geração ou que em muitos surge porque um familiar ou um amigo os convoca para tão boas causas. Encontrar um grupo de voluntários que em pleno mês de agosto se mobiliza para organizar cabazes alimentares para serem entregues a famílias que deles tanto precisam e muito, aguça a minha crença de que há tanto para fazer para não se perderem as boas práticas cívicas que fazem tanto por tantos.

A escola deve ser o meio a privilegiar para que tal aconteça e em bom rigor acontece apenas por dedicação de muitos professores que no meio da atividade de ensinar o currículo formal acreditam no valor da informalidade de muitos saberes, de muitas atitudes e de muitos gestos no gosto pelo ambiente, pela solidariedade e por aí fora. Espero bem que as recentes alterações que carregam os professores com ‘mais sala de aula’ e menos ‘aula de tantos outros saberes’ não mate a semente que tem geminado ao nível da formação cívica.

Se a escola pode dar um contributo decisivo, talvez seja adequado dizer que para o fomento desse espírito de entrega aos outros em diferentes dimensões, caberá ao Estado Central e Local um olhar atento que proteja e valorize quem se entrega. O país não pode perder esse legado e aos partidos exige-se ação. Discriminar positivamente é uma opção.
Exista coragem para o fazer e nesta matéria não há argumentos que justifiquem que PS e PSD não se entendam quanto a um plano estrutural de apoio àqueles que dão muito de si a muitos outros.