Cultura(s)

Solicitado a comentar os programas políticos na área da Cultura – ainda que permaneça em voluntário e continuado jejum de tais lides – não deixarei de ter opinião, por acompanhar de perto a evolução política do sector, e por ter tido responsabilidades específicas durante alguns anos. 

Antes do mais, perdoem-me alguns saudosistas estratosféricos, convém sublinhar que hoje a realidade do sector público cultural nada tem a ver com a realidade de há vinte anos, quando a ‘Cultura’ se ‘iluminava’ a partir do Palácio Nacional da Ajuda. 

Nesse tempo, era o Estado (administração central) o principal contribuinte líquido no sector, quando hoje são as autarquias o seu principal elemento de sustentação. Não fossem as autarquias, o que seria hoje das políticas culturais, se contássemos apenas com os actuais 0,2% do Orçamento do Estado? 

Felizmente existe uma nova geração de quadros e massa crítica no território, com formação superior, e que progressivamente se vai apropriando do processo cultural, tornando mais dinâmica e visível a vida do sector, fortalecendo-o na vida real das comunidades. 

Acrescentaria ainda que já é tempo de se assumir e olhar o ‘património cultural’ como um recurso estratégico, como uma das alavancas essenciais da economia e coesão territorial. É essa conjugação virtuosa que estará em jogo no futuro próximo, e só ela garantirá um sentido correcto de sustentabilidade aos emergentes sectores do turismo e da reabilitação urbana. 

Neste aspecto, salvaguardando o papel normativo essencial das direcções-gerais, parece-me positiva a intenção do PS em ‘reforçar’ o processo de descentralização já iniciado em 2007 com a criação das Direcções Regionais de Cultura. 

A reactivação das redes de parceria, temáticas e patrimoniais, entretanto adormecidas, será por certo indutora de maior desenvolvimento social, económico, e cultural. 

A ‘transversalidade’ da política cultural é assumida pelo PS, e bem, propondo a existência de ‘fundos interministeriais’ de acesso a financiamento, no quadro dos programas regionais de desenvolvimento. 

Mas é demasiado extenso o número de medidas avulsas enunciado, e certamente seria bem mais prudente não detalhar tantos bondosos desígnios, não só pela corte dos habituais ‘cobradores de fraque’, como também pelo que me parece ser exequível fazer-se numa só legislatura, e com os condicionalismos gerais que todos conhecemos. 

Saúda-se a proposta de dar casa (finalmente!) a um Arquivo Sonoro Nacional, saúda-se retomar um programa de sucesso como foi o INOV/Artes, e, sendo interessante a ideia, não se conhece o ‘como’ e o ‘para quê’ de uma «integração do audiovisual, imprensa, rádio e novos media na esfera da Cultura». 

Mas se esquecermos o que é acessório e recorrente nos programas eleitorais, o sentido reformador do programa do PS é certamente um bom início de conversa. 

Quanto ao programa da coligação PSD/CDS, o resultado dos seus últimos anos na vetusta ‘’Real Barraca da Ajuda’ nada mais permite antever, pesem os mui nobres e simpáticos chavões, do que ‘evolução na continuidade’. 

Tudo continuaria a ficar pendurado na vontade iluminada do tal ‘príncipe’ que já não existe, ou seja, seria um triste e serôdio arrastar do passado século XX.