Culturgest celebra 20 anos com programação gratuita até domingo

A Culturgest assinala 20 anos com uma programação especial gratuita. Entre hoje e domingo há dança, teatro e música. E, no dia 12, António Pinho Vargas apresenta a obra inédita Magnificat.

quando foi tocada oficialmente pela primeira vez, a 27 de abril de 1749 – depois de um bem sucedido ensaio geral no rio tamisa, em londres, para 12 mil pessoas, que causou um enorme engarrafamento na cidade –, a estreia de música para os fogos de artifício reais foi um absoluto desastre.

por encomenda do rei jorge ii de inglaterra, que queria comemorar a assinatura do tratado de aix-la-chapelle, que pôs fim à guerra da sucessão da áustria, o compositor inglês de origem alemã georg friedrich haendel escreveu a suite para ser tocada no tamisa enquanto se lançava fogo-de-artifício. apesar da sonoridade assumidamente festiva, naquele dia foram poucos os que conseguiram mergulhar no espírito que a música propunha, uma vez que a noite terminou com um aparatoso incêndio numa das estruturas de madeira montadas no rio para os instrumentistas.

este apontamento lúdico é apenas um pormenor na história de música para os fogos de artifício reais, mas miguel lobo antunes, administrador da culturgest, gosta de o referir para explicar também a evolução da partitura, que inicialmente incluía apenas instrumentos de sopro. “essa foi uma exigência do rei e percebe-se a razão. uma vez que ia ser tocado no rio, o som tinha de ter força. mas uns anos mais tarde, haendel mudou a partitura e acrescentou as cordas que agora tem”.

será com este espírito “celebratório e festivo” que a culturgest apresentará, nos próximos dias 11 (só para convidados) e 12 (para o público em geral), o concerto comemorativo do 20.º aniversário da instituição cultural da caixa geral de depósitos. porque queria muito assinalar a data com “aqueles que contribuíram para a história da culturgest e com quem [a instituição] foi mantendo uma relação estreita” ao longo destas duas décadas, lobo antunes convidou vários amigos da casa para ‘cantar’ os parabéns. pedro burmester e antónio pinho vargas são dois deles e vão construir uma viagem entre o barroco e o contemporâneo. depois da composição de haendel, o pianista interpreta concerto n.º 1 para instrumento de tecla, de johann sebastian bach, e o compositor estreia uma obra inédita, intitulada magnificat, para ser interpretada pelo coro gulbenkian e pela orquestra metropolitana.

a par do concerto, nesse fim-de-semana, inaugura-se igualmente a exposição obras da colecção da caixa geral de depósitos, com curadoria de bruno marchand. iniciada em 1983, a colecção conta hoje com mais de 1.700 peças de artistas portugueses, bem como de brasileiros e africanos de expressão lusófona.

celebrar o passado

marcar assim o aniversário da culturgest foi a forma que a administração de miguel lobo antunes encontrou para homenagear o nascimento da instituição que dirige. “foi assim que a culturgest começou. no dia 11 de outubro de 1993, houve um recital de piano no grande auditório e, a seguir, inauguraram-se duas exposições: uma de fotografia, da agência magnum, outra com peças da colecção da caixa. embora um bocadinho diferente, optámos pelo mesmo formato porque há o desejo de agradecer àqueles que inicialmente fizeram esta casa”.

por isso mesmo, a encomenda a antónio pinho vargas, “um compositor com ligação forte à culturgest desde o início”, surgiu quase de forma imediata. “queria uma obra para coro e orquestra. ou seja, que houvesse um texto, uma parte cantada. andei à procura entre os poetas portugueses, mas não consegui encontrar nenhum texto que me entusiasmasse, até que o antónio sugeriu o magnificat e eu achei… magnifico”.

além de ser “conhecido no ocidente” – faz parte do envagelho de são lucas –, o carácter “de louvor e agradecimento” do texto não levantou dúvidas. “para quem é cristão, tem uma leitura obviamente religiosa, de relação com deus. maria diz ‘agradece o que deus lhe fez nela’. para quem não é cristão, isto também pode ter uma conotação de agradecimento e celebração, e nós queremos agradecer e celebrar todas as pessoas que, ao longo destes 20 anos, fizeram a culturgest”.

mas como uma instituição cultural, principalmente uma tão virada para a contemporaneidade, não vive só de passado, as celebrações começam já hoje com uma programação totalmente gratuita (à semelhança, aliás, do concerto de dia 12) que inclui alguns dos jovens criadores mais aplaudidos da actualidade.

na música contemporânea, a compositora andreia pinto-correia preparou uma suite para violoncelo e flauta, intitulada sobre um quadro de júlio pomar: fernando pessoa encontra d. sebastião num caixão sobre um burro ajaezado à andaluza. esta será uma excelente oportunidade para conhecer um pouco do trabalho da compositora, que já conta com uma carreira expressiva nos estados unidos, com encomendas do carnegie hall, em nova iorque.

entre hoje e domingo pode-se ainda assistir a purgatório, novo trabalho de dupla ana borralho e joão galante, a vários miniconcertos a cargo de solistas da orchestrutopica, e aos rascunhos dos projectos futuros da coreógrafa vera mantero e do encenador tiago rodrigues.

testemunhar a criação

“os espectáculos da vera e do tiago ainda não estão terminados. são para estrear em 2014, mas quisemos trazê-los, para que as pessoas possam assistir a uma parte do processo criativo. não sabemos o que vai suceder entre este ano e o próximo, pode dar uma grande volta e aquilo que vamos ver agora ser muito diferente no final, mas isso tem graça.”, explica lobo antunes, sublinhando que a ideia deste fim-de-semana é mostrar, em manifestações curtas, aquilo que a culturgest tem feito nestas duas décadas: “a abertura de novos caminhos, de apresentações diferentes do mainstream, de reflexões sobre a própria obra de arte…”.

ao rejeitar deliberadamente a designação ‘festa de aniversário’ – por achar que muitas das festas ou festivais culturais organizados no país levam as pessoas a criar uma relação superficial com a criação artística –, miguel lobo antunes apela aos visitantes para “virem com calma”, de modo a conseguirem “reflectir” sobre o que vão ver e, se possível, aparecerem em mais do que um dia, porque há várias sobreposições. “essa relação mais reflectida e profunda com a obra de arte tem muito a ver com o que temos feito ao longo dos anos”, comenta o responsável, revelando que anualmente passam pela culturgest mais de 65 mil pessoas.

alexandra.ho@sol.pt