Custo da alimentação básica em Portugal corresponde a 13,6% do salário mínimo

Tendo como exemplo um carrinho de compras com os produtos e quantidades indicadas para satisfazer as exigências nutricionais mínimas do adulto médio, a Picodi é clara: o custo da alimentação básica em Portugal corresponde a 13,6% do salário mínimo. O nosso país fica em 16.º lugar numa lista de 64 países analisados.

Portugal – bem como os restantes países do mundo – continuou a sofrer, em 2021, as consequências económicas da pandemia de covid-19. Mas a economia lá vai recuperando e não é – nem foi no passado – impedimento para que muitos países levassem a cabo o aumento do salário mínimo nacional (SMN). Portugal é um desses exemplos e, no passado mês, muitos foram os portugueses que já o seu ordenado subir no final do ano

Feitas as contas, o salário mínimo registou um crescimento de 40 euros e passa dos 665 euros para os 705 euros brutos mensais, valor que está isento de pagamento de IRS, mas sujeito a desconto de 11% para a Segurança Social. 

Pegando no novo salário mínimo nacional, a Picodi selecionou uma lista de alimentos que atende às necessidades nutricionais mínimas de um adulto por mês e colocou-as num carinho de compras para poder comparar os preços dos alimentos com o ordenado mínimo nacional.

Assim, assumindo que um adulto utiliza – alertando que a lista é limitada, mas nas quantidades indicadas, estes produtos são suficientes para satisfazer as exigências nutricionais mínimas do adulto médio – por mês 10 litros de leite (6,30 euros), 10 pães de 500 gramas cada um (10,60 euros), 1,5 quilos de arroz (1,38 euros), 20 ovos (2,88 euros), um quilo de queijo (6,79 euros), seis quilos de carne de frango e vaca (41,37 euros), seis quilos de frutas (7,72 euros) e oito quilos de legumes (8,53 euros), paga, todos os meses, 85,57 euros.

Quer isto então dizer que os alimentos básicos suficientes para satisfazer as exigências nutricionais mínimas valem 13,6% do salário mínimo em Portugal. “Há um ano atrás, estes produtos valiam 14,7% do salário mínimo do ano passado. Concluindo, o crescimento do salário mínimo em Portugal ultrapassou o aumento de preços”, revela a Picodi.

A escalada dos salários mínimos pelo mundo E se foram muitos os países nos quatro cantos do mundo que decidiram proceder ao aumento do salário mínimo, nem todos o fizeram. A Picodi fez uma análise e concluiu que, dos 64 países analisados, as taxas de salário mínimo em 10 países não se alteraram em comparação com a classificação do ano passado: Israel, Filipinas, Tailândia, Vietname e Peru.

O campeão do aumento do salário mínimo este ano é Montenegro, onde o valor final passa para 450 euros, um crescimento de 102,7% em comparação com o início de 2021. “Como resultado, entre outras coisas, de alterações fiscais favoráveis, o salário mínimo neste país aumentou de 222 para 450 euros líquidos (um aumento de 103%). Também registámos grandes aumentos salariais na Turquia (50%) e no Cazaquistão (41%)”, diz a Picodi. Ora, na Turquia, o salário mínimo passa para os 332 euros e no Cazaquistão para 107 euros. 

Nesta lista, Portugal ocupa o 32º lugar com um crescimento de 6%. Já no país vizinho, Espanha, o salário mínimo aumentou apenas 1% em relação ao ano anterior (posição 53), na França 3,1% (posição 40) e no Brasil 7,6% (posição 17).

Nos países analisados, o que paga o salário mínimo mais alto é Luxemburgo (1919 euros) e contou este ano com uma subida de 2,1% face ao ano anterior.

É ainda preciso ter em conta que o estudo transformou todos os valores em euros, os valores são líquidos e a tempo inteiro.

Onde se pode viver com o salário mínimo? Nesta análise, a Picodi dá ainda destaque ao custo da alimentação básica nos vários países analisados, “uma vez que as preferências alimentares e perceções de uma vida confortável variam de região para região, e mesmo de pessoa para pessoa”, diz.

No topo da lista estão o Reino Unido, Irlanda e Austrália, onde a relação entre os produtos de base e o salário mínimo varia entre os 6,6% e 7,3%.

Na lista, o 16.º lugar é atribuído a Portugal que fica à frente de países como Brasil (36,6% e 49º lugar) e perto da França (12,5% e 14º lugar) e Espanha (11,8% e 11º lugar).

E há situações complicadas: “A situação dos trabalhadores com salários mínimos na Rússia, Cazaquistão ou Índia não é fácil: nestes países, o custo mínimo dos produtos alimentares básicos consome cerca de metade do seu salário. Por outro lado, na Nigéria, o salário mínimo não é sequer suficiente para um cesto modesto de produtos” detalha ainda.

Inflação No entanto, com a inflação a que o mundo tem vindo a assistir – e à qual Portugal não passa ao lado –, é possível que estes valores sofram algumas alterações. Os mais recentes dados da OCDE revelam que  a inflação subiu para 6,6% em dezembro nos países da OCDE, tendo “atingindo sua taxa mais alta desde julho de 1991”.

Apesar de Portugal estar abaixo da média, aqui a inflação também sobe. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes a janeiro revelam que a taxa de inflação no país aumento para 3,3%. 

Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) mostraram a sua preocupação com a escalada de valor e os números levaram Christine Lagarde, presidente do BCE, a assumir que a inflação não descerá tão cedo como se esperava. 

Os valores a que temos assistido não são animadores, como defende Henrique Tomé, analista da XTB. Ao i, alerta que estas previsões “voltam a colocar em causa se a subida dos preços é realmente transitória ou se não poderá prolongar-se mais do que se esperava inicialmente”. E lembra que “a possibilidade de assistirmos a novas subidas generalizadas dos preços acabam por prejudicar a economia nacional”.

Uma coisa é certa: “Neste momento, já estamos todos a pagar o custo de uma taxa de inflação mais elevada”, diz o analista. “No entanto, se esta tendência de alta se mantiver durante os próximos tempos, enquanto consumidores podemos sair ainda mais prejudicados e, em certos casos, podemos começar a optar por consumir menos determinados produtos, existindo um risco de haver estagnação em certos setores, o que é muito pior que a inflação”, alerta.

É normal que todos os anos os preços aumentem devido à inflação. No entanto, “quando o ritmo de crescimento é elevado esses mesmos produtos que tendem a subir a um ritmo em que o poder de compra do consumidor, à partida, não deverá conseguir acompanhar”. Dos exemplos mais óbvios são o aumento dos preços dos combustíveis, da luz e gás para consumo doméstico. Mas “os produtos finais também poderão sofrer ajustes nos preços, uma vez que continuam a existir constrangimentos nas cadeias de distribuição que também têm alimentado o aumento dos preços pagos pelo consumidor, à medida que os preços dos combustíveis tendem a aumentar”.

E estes são grandes alertas para a economia. “O maior risco para a economia é a possibilidade de virmos a assistir a períodos de estagflação [uma combinação de estagnação económica e alta inflação], que são extremamente prejudiciais para a economia, uma vez que os níveis de consumo podem começar a diminuir e poderá provocar um abrandamento da criação de riqueza com consequências diretas no PIB”. Apesar de admitir que este é um cenário “extremo”, Henrique Tomé acredita que “os decisores de política monetária estão empenhados a fazer o que for preciso para travar a escalada dos preços antes que possa ser ‘tarde demais’”.