Declínio demográfico está a alastrar para o litoral

A distribuição territorial dos serviços públicos encerrados veio reforçar a ideia de que o declínio demográfico está a alastrar para zonas mais perto do litoral, alertam especialistas ouvidos pela Lusa, que pedem uma reflexão sobre “o modelo de país que queremos”.

O demógrafo Mário Leston Bandeira, do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, sublinha o facto de os dados resultantes do levantamento feito pela Lusa confirmarem que “a engrenagem do declínio demográfico está a alastrar para zonas mais perto do litoral”.

“O declínio acontece já não apenas no interior”, onde se encontra a população mais envelhecida e se caminha para “a destruição quase completa”, mas “está a alastrar para o litoral”, mesmo nas zonas que tinham uma elevada natalidade, disse à Lusa.

Também Jorge Malheiros, do Núcleo de Estudos Urbanos, Migrações, Espaços e Sociedades do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, aponta que a “deterioração da qualidade de vida”, que tem vindo a acontecer sobretudo no interior, chegou às zonas do litoral menos servidas de transportes.

“O que era litoral está cada vez mais invadido por comportamentos do interior. Está a alargar-se a mancha, que está quase a chegar ao mar”, reforçou Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia.

Sublinhando que o declínio demográfico, o envelhecimento da população e a desertificação dos territórios é mais ou menos evidente desde o princípio dos anos 1980, Mário Leston Bandeira lamentou que nada tenha sido feito para prevenir o futuro.

E a austeridade veio, no seu entender, agravar a situação e está a “matar a hipótese de haver recuperação”.

“É preciso acabar com a austeridade, criar empregos nas zonas deprimidas. Se não há jovens a irem para essas zonas qual é o seu futuro?”, disse, realçando que o que está a acontecer é uma “falsa poupança”.

“O capital mais importante são as pessoas. São elas a riqueza das Nações e não estamos a apostar nelas de todo”, disse.

Admitindo ser possível melhorar a oferta e o modo como os serviços estão dispersos pelo território, Jorge Malheiros questiona a ausência de uma reflexão sobre o modelo de país e de Estado que se quer e a forma como tem sido conduzido o processo, enfatizando que as mudanças com diálogo e envolvimento das comunidades são mais demoradas mas resultam mais equilibradas.

Para este especialista, é cada vez mais clara a opção por um modelo de Estado mínimo, com a diminuição de serviços públicos “acreditando que o mercado privado reintroduzirá um reequilíbrio. Ele fará o seu trabalho, mas gera injustiças, nomeadamente injustiça territorial”, o que levará a um “declínio demográfico e ao esvaziamento destes espaços”.

Constatando que os encerramentos acontecem em todo o país, incluindo nos grandes centros como Lisboa, onde por exemplo o número de serviços de saúde encerrados é mais expressivo, Jorge Malheiros frisa que o impacto é contudo distinto no interior, sobretudo nas regiões de território vasto e povoamentos concentrados, obrigando as populações a grandes deslocações para acederem a serviços básicos.

Maria Filomena Mendes alerta ainda para o contributo do encerramento de serviços na perda de dinâmica de regiões que ainda a têm.

“Desenvolvimento gera desenvolvimento. Se não existirem infra-estruturas que segurem e captem as pessoas elas vão embora. É preciso dar essas condições, porque se não tivermos residentes fica todo esse espaço de abandono e isso é trágico”, disse à Lusa.

Mais de 6.500 serviços públicos encerraram desde 2000, sobretudo no norte e interior do país, e mais de 150 devem encerrar proximamente, de acordo com um levantamento feito pela agência Lusa junto de entidades oficiais locais.

Lusa/SOL