Detox também para a alma

Confesso: a proposta de fazer um retiro detox, leia-se estar a sumos e sopas durante uns dias, fez-me torcer o nariz. Mais ainda quando nunca se fez uma dieta na vida. Mas o desafio foi aceite e rumei ao Algarve com expectativa e algum receio na bagagem. 

Detox também para a alma

São duas horas e meia de caminho desde Lisboa, sempre a direito, até ao coração de Monchique. Assim que se entra na serra cheira a tranquilidade. Ana Rita Horta, dietista da Nutri4you, uma empresa familiar gerida por esta algarvia, recebe-nos de sumo na mão. De cor acastanhada e umas sementes vermelhas (bagas goji) parece espesso ao primeiro gole. Mas apesar da espessura, no final, a sensação é de leveza. O tiro de partida estava dado.

Manuela Miranda, empresária do Porto, teve um AVC o ano passado que a fez repensar a vida e os hábitos, principalmente alimentares. É a primeira vez que vem a um retiro detox, trazida pela amiga Clara Magalhães, também ela empresária de Vila Nova de Gaia, que é já uma especialista destes detox. Faz dois por ano.

Não nos iludamos: a perda de peso é o principal objectivo para quem  vem para um retiro detox e são principalmente mulheres. Mas o reequilíbrio mental e a paz de espírito pesam igualmente na balança. “Tenho um dia-a-dia muito preenchido, com muitas solicitações. Estou a encontrar aqui o ritmo. Desliguei-me do mundo e do tempo. Nem tenho comigo os telemóveis e o relógio”, diz Manuela.

Fora das preocupações quotidianas e dos horários habituais (ou falta deles), a pessoa desliga-se e concentra as atenções em si mesma e no seu corpo. O facto de haver alguém a preparar as refeições com os ingredientes certos e a horários regulares também é fundamental para a dieta. Longe do stress e envolvida pela natureza, a energia é outra para repensar o estilo de vida e procurar equilíbrio. “Detox mental”, atira Nathalie Tuchapsky, uma russa a viver na Irlanda, directora de marketing de uma multinacional.

São três as mulheres – Manuela, 53 anos, Clara, 44 e Nathalie, 56 – que participam deste retiro de cinco dias (eu só me juntei no fim-de-semana), feito entre o VilaFoia (um alojamento local, no meio da serra, onde ficam hospedadas) e a Quinta de Santa Bárbara, a poucos passos do VilaFoia, onde se fazem as actividades do dia. Ana Rita Horta diz não querer ter mais do que 10 participantes por retiro, para que o atendimento possa ser personalizado e se crie um ambiente familiar. O local escolhido, uma quinta de sala imponente e tectos altos, chão de tijoleira e vista para a piscina e serra, é acolhedor e convida-nos a relaxar.   

O dia começa às 10h00 com o primeiro sumo (descobre-se que nem todos são verdes) e as refeições são servidas de duas em duas horas. A aula de ioga vem logo a seguir. Durante duas horas, a professora Catarina Ordaz guia as participantes pelos exercícios mais ou menos exigentes, alguns de cabeça no chão e pernas contra a parede. Na última meia hora, a meditação faz-nos apagar, apesar de continuarmos com aquela voz grave e tranquila como fundo. “A acção mais importante do ioga para perder peso é porque vai acalmar. Trabalha o sistema nervoso, a pessoa fica menos ansiosa e por isso não busca na comida um escape”, explica Catarina Ordaz, há 18 anos praticante e há 14 professora de ioga.

Arrumam-se os colchões e põe-se a mesa para o almoço. Um prato de sopa verde. “Qual é o prato que está mais cheio? Quero esse!”, ri-se Clara. Há dois anos pesava 90 quilos até que não conseguiu jogar à bola com o filho e decidiu que algo tinha que mudar. Foi para um retiro de doze dias e perdeu quatro quilos. “A partir daí quis mudar de vida e de atitude perante a comida”, lembra. Hoje já perdeu quase trinta. “O retiro volta a ensinar-nos a ter horas, limpa o organismo e incute regras. Durante algum tempo mantém-se a linha, depois fica um pouco difícil porque temos a nossa vida lá fora”, refere.

Ao almoço, troca-se uma receita de almôndegas e fala-se em pastéis de nata. Este hábito muito português de se falar de comida às refeições é, neste caso, uma tortura para quem, como eu, se está a contentar com uma sopa.

“Com as sopas e sumos sentes que estás a comer uma refeição e não só um sumo ou sopa. Não tenho fome e sabe-me bem”, diz Nathalie. Confirmo: não é que sinta fome mas tenho vontade de comer, de trincar qualquer coisa… Além disso, custa ver as fotografias dos amigos partilhadas nas redes sociais que se fartam de exibir os belos hambúrgueres com batatas fritas que vão almoçar.

Enquanto os pensamentos fogem, a professora de Pilates já está pronta para a aula que se segue. As actividades ao longo do dia são importantes para ocupar a mente. “Senão pensamos muito em comida”, garante Clara. O próximo sumo é servido às 14h e o seguinte às 16h e, no entretanto, há sessões de pressoterapia e drenagem linfática, tratamentos complementares à dieta detox que ajudam a drenar as gorduras. Fico a contar os minutos para a próxima refeição e acabo por me deitar numa cadeira a apanhar sol, no silêncio da tarde. Não me sinto cansada mas parece que o corpo pede para descansar.

A sopa das 18h00 é a que custa mais. O corpo estranha comer sopa à tarde. Esta é a altura do dia em que o tempo parece demorar mais a passar. Uma caminhada de uma hora pelo meio da serra acompanhada por um personal trainer remata as actividades diárias. O percurso tem algumas subidas mas a paisagem compensa e o esforço é adaptado a quem está a dietas líquidas. A última refeição do dia, outra sopa, é servida às 20h.

O ideal seria ir pouco depois descansar e dormir. Mas acabamos por ficar na sala a conversar. Dizem que com o detox as emoções ficam mais à flor da pele. Lembro-me que talvez por isso tenha estado de mau humor ao final do dia. História puxa história e vão-se partilhando experiências. De dietas e trabalho a relações. Nathalie tem a teoria de que os casamentos mais felizes são aqueles em que a mulher e o homem vivem em casas separadas. 

Já no quarto deixo-me ficar de televisão ligada. Ironia das ironias: está a dar um programa de talentos culinários onde ensinam como se faz ravioli, codorniz e tarte de limão merengada. Tarde demais, já só penso  em comida e adormecer é uma tarefa difícil. Aquela tarte de limão…

O último dia do retiro, domingo, tem uma componente prática. Há workshops de sumos e sopas para que a dieta que seguimos possa ser aplicada no dia-a-dia. “Queremos associar o detox a tratamentos complementares e também a uma parte prática. Além do plano alimentar, saem daqui com receitas e aprendem como se faz”, explica Ana Rita Horta.

A dietista de formação tem 32 anos e trabalha num resort de luxo em Armação de Pêra. A ideia de criar a Nutri4you surgiu para fazer retiros num local mais relaxante, fora do ambiente de resort e a preços mais acessíveis (400 euros, cinco dias com tudo incluído). “A equipa é de Monchique e não faz sentido ser noutro sítio. Temos mar, serra, ar puro. Os alimentos são todos orgânicos, produzidos por nós, sem químicos o que potencia o resultado final”, garante.

Mas e depois do retiro? Senti as pernas mais leves, um alívio para quem as costuma ter sempre cansadas. Contas feitas, cinco dias de retiro, a média de perda de peso entre Manuela, Clara e Nathalie foi de três quilos. “Sinto a falta de sítios que no dia-a-dia nos ofereçam este tipo de refeições, uma alimentação consciente e saudável, mas prática”, diz Manuela. “Já estou a pensar no plano a implementar com o que aprendi para que seja exequível num estilo de vida sem regras. Tenho muitas esperanças em conseguir”, conta. Já Clara, mais habituada a estas lides, diz que “cada retiro é uma aprendizagem”. Mas tem que fazer pelo menos dois por ano, porque à medida que o tempo passa, vai sendo mais difícil ceder “às tentações”. E são tantas. 

sonia.cerdeira@sol.pt