DNP é usado em Portugal sem controlo

Basta enviar um e-mail para um site chinês especializado na venda de hormonas e esteróides, fazer a encomenda e pagar 443 euros para em poucos dias chegar a Portugal um quilo de 2,4-dinitrofenol – conhecida pela sigla DNP -, uma substância perigosa que é usada por muitas pessoas para emagrecer, devido aos efeitos rápidos. A…

O DNP é usado em todo o mundo como forma de perder peso rapidamente, mas na realidade é um pesticida. E apesar de em Portugal – assim como em toda a Europa e nos EUA – o consumo humano da substância ser ilegal, está actualmente a entrar no país e a ser usada sem qualquer controlo.

Segundo adiantou ao SOL fonte da Polícia Judiciária (PJ), actualmente é difícil fiscalizar a comercialização e consumo deste produto por “não haver legislação” específica.

Herbicida para videiras

Por um lado, o DNP não consta da lista das substâncias psico-activas ilegais aprovada por uma portaria que em 2013 definiu os produtos que não podiam ser vendidos nas smartshops. Por outro lado, nem sequer está incluído na tabela de substâncias proibidas pela Convenção das Nações Unidas.

Além disso, o DNP pode circular livremente no país, pois é usado para fins agrícolas: o seu uso é autorizado pelo Ministério da Agricultura como herbicida para as videiras, de acordo com a listagem anual de produtos com licença de comercialização.

O facto de a sua utilização em humanos não ser considerada um crime, acrescenta a mesma fonte, leva que o papel da Polícia se resuma a acções de prevenção, podendo fazer apreensões. No entanto, até agora a substância nunca terá sido detectada pelas autoridades, nomeadamente pela ASAE que tem a missão de fiscalizar os suplementos alimentares para emagrecimento. Em 2014, este organismo recolheu em todo o país cerca de 100 amostras daqueles suplementos, tendo em 27 encontrado substância activas ilegais, mas nenhuma era o DNP. Já este ano, os agentes da ASAE realizaram 199 acções de fiscalização em ginásios, alfândegas e sites portugueses e também não o detectaram.

Testado pela primeira vez em Portugal

Terá sido na internet que um estudante do curso de Gestão da Universidade dos Açores, de 23 anos,  adquiriu o produto que acabaria por matá-lo, no início de Maio. A autópsia ao jovem, natural do Porto e que estava há menos de um ano em S. Miguel, deverá estar concluída em breve no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) de Coimbra. 

A razão da demora na confirmação dos resultados é simples: até hoje, a análise de intoxicação com DNP nunca foi feita nos laboratórios forenses do Estado, o que obrigou a estabelecer todo “um conjunto de procedimentos a seguir na condução e montagem técnica do teste” – adiantou ao SOL João Pinheiro, vice-presidente do INML. Ao mesmo tempo, o organismo teve de encomendar no estrangeiro o DNP que foi usado para comparar amostras. “Partimos do zero, nem a substância tínhamos disponível”.

As conclusões dos testes deverão confirmar aquilo que o jovem confessou aos médicos quando entrou nas urgências do Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, na tarde de 2 de Maio, já gravemente doente. Tomara vários comprimidos de DNP e não conseguia baixar a febre. Morreria horas depois, com 43 graus de temperatura, sem que os clínicos conseguissem controlar os efeitos daquele produto tóxico.

“Se não tivesse havido suspeita deste consumo e se o jovem não tivesse dito aos médicos o que tinha tomado, não detectaríamos esta substância porque ela não está incluída nos testes de rotina”, explica o responsável do INML.
Além disso, quando adquirido online, o DNP chega muitas vezes disfarçado: os próprios distribuidores na China, onde o DNP pode ser facilmente adquirido, garantem a sua entrega numa “embalagem discreta”. 

A substância de cor amarela tanto pode ser encomendada em pó, como em cápsulas de várias dosagens. Os preços variam consoante o fornecedor: uns pedem 443 euros por um quilo e outros pedem 319 pela mesma quantidade.
Nos sites europeus especializados na venda deste produto, as remessas dos frascos com cápsulas de DNP são também disfarçadas. Caso fiquem retidas ou se extraviem, o distribuidor sediado no Reino Unido garante o seu reenvio. 

Suspeitas de fabrico no país

Em Portugal, é sobretudo entre os atletas e adeptos da musculação que o produto amarelo é mais usado. “Os praticantes de culturismo, que precisam de perder peso rapidamente antes de entrarem em competições, são os grandes consumidores”, explica ao SOL um personal trainer que trabalha num ginásio em Lisboa, dizendo que esta toma é feita esporadicamente e por curtos períodos de tempo antes das provas. 

Outro treinador admite que vários desportistas já lhe pediram informações sobre o DNP: “Estavam a testar-me para ver como reagia, mas sou totalmente contra a sua utilização e proíbo-os de o tomarem”.

A substância pode já estar a ser fabricada ou transformada clandestinamente em Portugal. “Diz-se que já há pessoas a fazer estas cápsulas em casa, o que aumenta o risco” – admite por sua vez outro profissional dos ginásios, adiantando que a transacção do produto é feita num circuito muito fechado.

Fonte da PJ admite que o DNP possa estar a ser produzido no país em laboratórios clandestinos. Contudo, acrescenta, não há sinais de que esteja a ser produzida em grande escala.

Certo é que nos fóruns onde se partilham conselhos de nutrição e dicas sobre treinos é fácil encontrar quem conheça e tenha experimentado os efeitos desta “bomba atómica”. Há até utilizadores que deixaram registos em forma de diário, tornando pública a sua experiência com as cápsulas. 

“Três horas depois de ter tomado a minha primeira dose, comecei a sentir os efeitos de aquecimento da temperatura corporal. Nada que não conseguisse tolerar” – lê-se nas mensagens de um utilizador que conjugou cápsulas de 250 mg e até de 500 mg de DNP com uma dieta rigorosa e sessões de treino diário. Após “uma semana a tomar este veneno” e a controlar a fome, tinha conseguido perder cinco quilos, três deles em apenas três dias.

Não há antídoto para reverter efeitos

O perito em nutrição desportiva Filipe Teixeira alerta que, entre as substâncias que circulam na internet, o DNP é das “mais perigosas”. Várias pessoas já lhe relataram as suas experiências com este produto, “reportando tremores, suor e calor intenso”, admitindo-lhe que “muitas vezes recorrem a banhos gelados para baixar a temperatura”. 

O especialista, que em 2013 chegou a publicar na internet um artigo a alertar para os perigos deste produto, garante que depois da ingestão do comprimido amarelo não existe um “antídoto” para reverter os seus efeitos e que clinicamente pouco ou nada há a fazer.

A única área onde as autoridades estão a apertar o cerco a produtos como o DNP é na competição desportiva. A Agência Mundial Antidopagem (AMA) incluiu na lista de substâncias e métodos proibidos todas as substâncias não autorizadas oficialmente, incluindo o DNP. E quando a análise a algum atleta dá positivo para este tóxico, é punido.
“É impensável que uma substância como esta, conhecida há tantos anos, continue a ser comercializada e a matar pessoas”, diz Luís Horta, especialista antidoping.

Aliás, Susana Luz, coordenadora do laboratório da Autoridade Antidopagem portuguesa, salienta que foi a AMA que alertou a Interpol para o facto de o DNP estar actualmente a ser usado por desportistas, ao detectá-la em testes de doping.

Para Luís Horta, é urgente encontrar meios eficazes de combater o consumo deste produto, porque com a sua venda na internet o controlo é quase impossível: “Não podemos estar sempre a tomar medidas reactivas. Mesmo o alerta da Interpol só foi feito depois de haver mortes”.

joana.f.costa@sol.pt