Donald da Arábia

A história de T.E.Lawrence está carregada de momentos épicos. A viagem de Donald Trump ao Médio Oriente está carregada de momentos insólitos.

O oficial britânico, interpretado pelo mítico Peter O’Toole, tentou unir as tribos árabes contra os turcos. O Presidente americano tentou federar árabes sunitas e judeus na luta contra o Irão xiita.

Contrariando os céticos, os democratas e a CNN, nem tudo correu mal a Trump. O seu discurso em Riade foi muito elogiado porque não insultou ninguém. A sua presença no Vaticano não escandalizou os católicos, apesar da expressão fechada do Papa. Os aliados na Europa receberam-no de braços abertos, mesmo que ele lhes tenha atirado à cara que 23 dos 28 membros da NATO não cumprem as suas obrigações (portugueses incluídos). 

Trump sem polémica não é Trump. O embaixador israelita nos EUA pôs as mãos à cabeça quando, em Israel (note bem), Donald anuncia que «acaba de chegar do Médio Oriente». Corrige: «Acabo de chegar da Arábia Saudita». É lá que fica registado o instantâneo Vilar de Perdizes da Administração: três chefes de Estado, Trump, o presidente Egípcio e o Rei Saudita, como feiticeiros, de mãos dadas em cima de uma esfera branca luminosa. A igreja de Satã viu-se obrigada a ‘clarificar’ que não se tratava de «ritual satânico».

Para além do ‘entertainment’, a tournée de Trump volta a mostrar a uma retórica autocentrada, incoerente e até afastada de alguns valores tradicionais da política externa americana. 

Como em The Art of the Deal, Trump acredita ser capaz de pôr fim aos mais complexos conflitos internacionais como quem fecha um negócio imobiliário. Todos os presidentes americanos desde Harry Truman tentaram a paz entre israelitas e palestinianos. Todos desde Clinton tentam uma solução de dois Estados. Em Israel, e sem grandes detalhes, Trump apresentou-se como o homem que vai mudar a história: «Temos diante de nós a rara oportunidade de trazer segurança, estabilidade e paz a esta região e ao seu povo, derrotando o terrorismo e criando um futuro de harmonia, prosperidade e paz». Oxalá.

Em Riade, Trump reduziu décadas de doutrina de combate ao terrorismo a três palavrinhas apenas: «Drive them out» [expulsem-nos], como se os extremistas fossem criaturas que se podem projetar para o espaço sideral. Para todos os problemas os populistas têm sempre uma solução que é clara, simples e (quase sempre) errada.

Trump ainda há dias acusava o Islão de «odiar a América». Na Arábia mostrou-se ecuménico: «As três grandes religiões do mundo» podem construir a paz. Faz tudo parte do ‘Principled Realism’ que abandonou valores como a Liberdade, a Democracia ou os Direitos Humanos.

Num ataque cerrado ao Irão, que acaba de reeleger o moderado Rouhani, e ao acordo sobre o programa nuclear selado por Obama, o Presidente construiu todas as opções políticas na região partindo do isolamento e total hostilidade a Teerão.

A retórica contraditória de Trump é apenas o reflexo de sua inconstância pessoal e política. A estabilidade da ordem internacional é a maior vítima do estilo mercurial do presidente.

São os aliados, não os adversários, quem mais tem sofrido com isso.