Ecossistemas empresariais e o futuro agroalimentar

Governos maltratam a agricultura com legislação inconsequente e atrasos nos fundos.

Os períodos que antecedem as eleições, para além do folclore de promessas, dos cartazes, das frases redondas e, também, da eclosão de ‘casos e casinhos’ são também ocasião de trocas de impressões ponderadas sobre assuntos relevantes. Alguns não deixam de levantar temas cruciais para a vida das sociedades que suscitam reflexão e que interpelam os decisores, obrigando-os a sair dos seus próprios problemas. A agricultura é um desses temas que tem vindo à superfície e se impõe como assunto incontornável, em Portugal, em 2024.

Precisamente, nestas semanas palpitantes, tive ocasião de constatar comentários contrastantes sobre o setor agroalimentar, mais em particular na indústria do vinho, que permitem desenhar caminhos de melhoria, de progresso, de criação de mais valor, em resumo.

Duas personalidades políticas de orientações diferentes – esquerda e direita clássicas – afirmaram publicamente, em tom de lamento, a sua preocupação com o desequilíbrio entre os ‘grandes’ produtores agrícolas, em menor número, e a ‘multidão’ de pequenos agricultores cada vez mais abandonados que povoam o interior do país, que necessitam de apoios para fixarem populações, para sustentarem famílias, para serem rentáveis ou competitivos.

Em contraste, Gonçalo Andrade, Presidente da Portugal Fresh, em recente artigo, referiu que não tem havido políticas públicas para incentivar a criação de mais organizações de produtores, fundamentais para concentrar a oferta de produto e criar escala num país com a nossa dimensão. Os micro e nanoagricultores são de extrema importância pelo papel que desempenham na dinamização territorial e na produção mais diversificada de produtos, mas, em vez de serem incentivados a integrarem estruturas organizadas, são privilegiados no recebimento dos apoios, com satisfação no curto prazo, porém séria penalização no médio e longo prazo pelo que representa de desorganização do setor. Portugal tem um grau de organização da produção agrícola de cerca de 20%, muito longe da média europeia, que está nos 50%.

Num frente-a-frente entre especialistas, publicado no Sol (Portugal Amanhã) de 12 de janeiro, Eduardo Oliveira e Sousa e Francisco Gomes da Silva referiram outras duas dimensões que são lugares-comuns da sociedade (não partilhados pelos dois) que ajudam a perspetivar esta atividade económica: os agricultores são (foram?) considerados pela sociedade como uns coitadinhos, sic, que não sabem fazer outra coisa pelo que não se poderá esperar muito deste tecido económico-social concreto, por um lado. E, por outro, os vários governos têm maltratado a agricultura, quer por legislação inconsequente, quer pela burocracia dos técnicos que não saem dos seus gabinetes, quer pelos atrasos nos fundos que não chegam a quem mais precisa deles.

Se esse panorama é globalmente verdadeiro, numa visão mais detalhada, que tenha em atenção as regiões e as suas culturas, junto com problemas e crises também se encontram excelentes exemplos de empresas e organizações que souberam ganhar escala, utilizar tecnologia e oferecer soluções com a dimensão e as características mais convenientes para os clientes. Tornaram-se assim competitivas quer no mercado interno quer nas exportações. Empresas que nasceram de empresários agrícolas ambiciosos e realizadores ou que são dirigidas por gestores competentes e bem integrados na atividade agroalimentar.

Tanto estes novos empresários como os mais tradicionais têm recursos tecnológicos acessíveis e eficazes que potenciam a criação de valor e a competitividade dos seus produtos porque não fazem tudo sozinhos, acorrendo a prestadores de serviços de maquinaria, de software e de informação que permitem aumentar a produção ou reduzir custos (eficiência). E também oferecem a possibilidade de entregar melhores produtos, mais cedo, mais longe e em melhores condições. São mais eficazes. Neste panorama, que se pode esperar do setor nos próximos tempos? E que medidas é que os políticos podem ou devem tomar para desenvolver uma maior criação de valor quer entre os tais ‘grandes’ – em geral, pequenos numa perspetiva ibérica – quer para todos os outros?

Regressando àquele frente-a-frente, foi feita uma consideração surpreendente: a alimentação segura e barata tem os dias contados, como se torna espetacularmente patente com as manifestações de protesto dos agricultores franceses destes dias, já seguidos por muitos outros. Protestam contra maiores custos de produção, maior concorrência das importações de países próximos e longínquos e contra a regulamentação europeia que quer impor uma obrigação de reserva de 4% de terras aráveis para pousio ou para infraestruturas como sebes, charcos e valas, e outras exigências ambientalistas, não fundamentadas.

Presidente hemérito da AESE