Emancipação

Não é por acaso que a série Pan Am arranca com uma irmã a salvar outra de um casamento e fogem as duas para ser hospedeiras de bordo e felizes na companhia aérea a que a série vai buscar o nome.

a fuga, com a marcha nupcial de mendelssohn já a insinuar-se, diz imediatamente ao que vem esta produção da abc (por cá, passa na sic): a emancipação feminina na sociedade norte-americana no início da década de 60. em vez do noivo e da vida segura e subserviente, laura cameron vira costas a tudo, destroçando a mãe, que a via já na perfeita casa de bonecas a criar os filhos e ouvir pacientemente as histórias do marido. em vez da vida traçada a regra e esquadro, faz a vontade à sua própria consciência e vai conhecer o mundo.

num certo sentido, aquilo a que pan am se propõe é retratar um universo feminino que funcione como reverso da medalha da marca que mad men deixou fundo enquanto quadro da emergência de uma classe sedenta de poder e de uma imagem de sofisticação. esta tem sido uma comparação – por vezes com carga negativa – frequente. até porque mad men, de uma forma menos efabulada, conseguia já um pujante retrato da condição feminina, ao pé do qual pan am se parece com uma variação levezinha e para balde de pipocas desse mesmo desenho social.

o mais curioso, no entanto, é que há uma ironia perversa a correr constantemente em fundo durante pan am: é só olhar com um pouco de atenção e perceber que se este universo de hospedeiras de bordo é um evidente escape emancipatório, não deixa, por outro lado, de representar uma outra prisão, cuja libertação será ainda uma tarefa complicada. a vida independente, aqui, faz-se à custa da figura da mulher, da sua beleza e da manutenção de uma imagem de perfeição como sinónimo de sonho. e esse lastro, infelizmente, ainda anda por aí…