Emmanuel Macron, a última peça do dominó gaulês

Leia o perfil do novo presidente francês. O economista entrou na política pela mão de  Hollande, que o foi buscar à banca para assessor da presidência e mais tarde chefe de gabinete. Macron nunca se assumiu “socialista” nem teve cartão de militante. Afirmou-se, em tempos, “na esquerda” mas não “de esquerda”.

Há como que um jogo de dominó a deslizar para a direita na sociedade política francesa. A conjugação de euroceticismo crescente, descontentamento com a economia e ameaças terroristas levaram a mudanças drásticas no discurso dos partidos.

A ascensão de Marine Le Pen ao leme da Frente Nacional (FN), com uma política de confronto contra a União Europeia e contra a presença muçulmana em França, fez com que Nicolas Sarkozy adotasse uma postura mais identitária. A partir do momento em que o candidato à presidência do centro-direita se assumiu implacável com o islamismo, o governo socialista de François Hollande, dirigido por Manuel Valls, também começou a demonstrar uma maior impaciência com a comunidade muçulmana em França.

E é assim que cai o dominó: do sucesso da FN para o contágio aos Republicanos, de uma direita mais intolerante para um centro-esquerda que esqueceu a diversidade. A polémica dos burquínis foi o exemplo mais recente e flagrante do fenómeno. Um presidente socialista apoiar decretos de autarcas ultraconservadores para acabar com um fato-de-banho alternativo nas praias do sul de França surpreendeu a opinião pública. Um primeiro-ministro socialista dizer que uma veste utilizada por muçulmanas serve “para escravizar a mulher” foi novidade similar.

Esta semana, saltou aquela que pode ser a última peça deste dominó: Emmanuel Macron. O ministro da economia do PS francês demitiu-se depois de uma série de quezílias com a ala mais ortodoxa do partido, crítica da sua visão liberal do mercado. A popularidade de Macron ultrapassa a de Manuel Valls, o primeiro-ministro, e a de Hollande, o presidente francês que falhou em cumprir as promessas de emprego e segurança com que foi eleito.

Desde o início do verão que se especulava sobre a vontade de Macron abandonar o executivo devido a ambições mais largas. As presidenciais francesas disputam-se na primavera do próximo ano e o anúncio de candidatura de Nicolas Sarkozy à nomeação dos Republicanos poderá ter contribuído para o acelerar dessa vontade. Macron antecipa-se assim aos dois maiores nomes, da esquerda, para defender o Eliseu do regresso de Sarkozy, Hollande e Valls.

Manuel Valls empurrou o governo presidido por Hollande para uma linha mais conservadora a nível de costumes, enquanto ao mesmo tempo Macron empurrava Valls para uma linha mais liberal a nível de economia.

Mas quem é Emmanuel Macron? De onde veio? Como é que um banqueiro de investimento foi aterrar num governo de esquerda? Qual o seu papel na engrenagem política gaulesa, na mutação do Partido Socialista francês e na relação de Paris com a União Europeia? Os seus níveis de popularidade apontam-no como estrela em ascensão, mas a verdade é que nunca foi submetido ao maior teste das democracias: uma eleição.

O economista de 38 anos entrou na política pela mão de François Hollande, que o foi buscar à banca para assessor da presidência e mais tarde chefe de gabinete. Macron nunca se assumiu “socialista” nem teve cartão de militante. Afirmou-se, em tempos, “na esquerda” mas não “de esquerda”.

Um dirigente histórico do PS francês considerou-o “um jogador talentoso, mas não um jogador de equipa”. Macron é um europeísta, algo cada vez mais raro nos jovens em ascensão na política francesa e tem uma vida pessoal colorida – casou com a sua professora de liceu, 20 anos mais velha que ele.

Emmanuel Macron nasceu em 1977, em Amien, e é filho de médicos. Segundo o próprio, a família tem uma forte tradição esquerdista.

Considerado um prodígio académico desde os seus tempos num colégio jesuíta, tirou o mestrado em filosofia política com uma tese sobre Maquiavel e a noção de “bem comum”. Frequenta seguidamente a Escola Nacional de Administração (ENA). Aprecia música clássica e toca piano.

O seu estilo comunicacional prima pela perspicácia. Confrontado com a ideia de Hollande taxar as grandes fortunas com um imposto de 75%, respondeu que isso faria da França uma “Cuba sem sol”. Macron fez fortuna no setor privado antes de aceitar o convite para ingressar no gabinete do presidente.

O movimento que lançou em Maio – “Em Marcha!” – não se assumiu nem de direita nem de esquerda, o que enraiveceu a estrutura socialista que lhe chama agora “traidor”. No seu primeiro discurso à frente do movimento, proclamou a vontade de “pôr a França a trabalhar” com políticas progressistas focadas na liberdade e na educação. Entusiasmado com as três mil pessoas que se reuniram para o ouvir em Paris, deixou escapar um “rumo a 2017 e à vitória”, causando mal-estar imediato no governo. Os mais ortodoxos do PS francês já haviam mostrado o seu desagrado perante as violações consecutivas do ex-ministro ao património legislativo do partido, como a proposta do fim das 35 horas semanais e do encerramento de lojas ao domingo. A “lei Macron”, que flexibiliza as normas laborais, deu origem a várias greves, manifestações sindicais, confrontos nas ruas e a um voto de desconfiança parlamentar que incluiu vários deputados do partido de governo.

O maior desafio de Emmanuel Macron, além da árdua tarefa de converter popularidade em votos concretos, será convencer membros da estrutura socialista a apoiar o seu movimento. Em termos parlamentares, apenas quatro deputados manifestaram estar ao lado de Macron e um senador revelou ao “Le Monde” que “no máximo, terá o apoio de dez que acham que Hollande está enterrado para 2017 e que ele é o futuro”. “Vai aprender que na velha França não se pode ser presidente sem o apoio do aparelho e das estruturas locais”, vaticinou a fonte socialista ao “Le Monde”. Benjamin Griveaux, um dos assessores de Macron, respondeu que a prioridade do movimento “é a sociedade civil”.

Momentos antes de entregar a demissão ao presidente, Emmanuel Macron enviou uma mensagem a vários governantes onde escreveu: “Ficaria muito contente em trabalhar convosco para o sucesso deste projeto. Num momento importante de renovação política, oiço-vos”.

O secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares, Jean-Marie Le Guen, começou por ser um apoiante desta dinâmica “progressista” que almeja colocar-se acima do confronto entre esquerda e direita. No entanto, Le Guen parece mais inclinado a apoiar Valls, o primeiro-ministro, para suceder a François Hollande. Do seu ponto de vista, Macron “é um fenómeno político brilhante e único, mas arrogante e infantil”. “Saiu intoxicado pela bolha da imprensa”.

Nas duas horas que se seguiram à sua demissão do governo de Hollande, o movimento de Macron contou com 2000 novas inscrições e a lamentação de empresários com saudades de um ministro que os “compreendia”. Numa recente viagem a Londres, terá amealhado doze milhões de euros em patrocínios. Não é para todos.  

 

Perfil escrito em Setembro de 2016